segunda-feira, 27 de junho de 2011

Desnuda diante de ti

À Juljan Palmeira.
 

(...) 

Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa,
Abranda as rochas rígidas, torna água
Todo o fogo telúrico profundo
E reduz, sem que, entanto, a desintegre,
À condição de uma planície alegre,
A aspereza orográfica do mundo!

Provo desta maneira ao mundo odiento
Pelas grandes razões do sentimento,
Sem os métodos da abstrusa ciência fria
E os trovões gritadores da dialética,
Que a mais alta expressão da dor estética
Consiste essencialmente na alegria. 

 (...)

Augusto dos Anjos in: Monólogo de uma sombra

Rendo-me, meu amor,
à tua sabedoria odienta
por encontrar resposta
para todos os mistérios
de meu coração.
Juro jamais voltar
a chamar o nome
de teu Poeta em vão.
Em minha condição de sombra,
dialogo com outras sombras
e fazemos um brinde
à alegria contida em toda arte.  

Image by Jeremiahketnet on Deviantart

quarta-feira, 8 de junho de 2011

A revelia

Trabalhando Letícia Palmeira.

O contexto fugiu
Deixando a casa sem teto,
As palavras sem lugar,
As pessoas sem oração
E descrentes de quem
Acreditar.


 

Image by Jensheron on DeviantArt

sábado, 4 de junho de 2011

Ergométrica


As marcas do tempo se misturam com as do sol no rosto queimado de Ergométrica. Outro dia a mais em seu calendário interminável, ela acorda às cinco da manhã. Milho para as galinhas e café para os filhos que ainda estão em casa. As crianças, a caminho da escola, hora de correr para o tanque. É preciso lavar as roupas das madames. Enquanto as roupas quaram, Ergométrica corre para a cozinha. Quando os meninos chegam da escola, estão morrendo de fome, ainda. Roupas no varal, tem casa para varrer, banheiro para lavar, cozinha para arrumar. Depois de forrar o bucho dos meninos com feijão e farinha, Ergométrica começa a preparar os salgados para vender em frente à escola aonde os meninos estudam. Ela sai de casa às duas e meia e volta por volta das quatro da tarde. Os meninos não a ajudam e continuam morrendo de fome. Vez de pôr o jantar. Salgados que sobraram e café. Esta noite, Ergométrica tem pressa. Vai à missa de sétimo dia de seu filho mais velho. Atiraram nele lá perto da maré. Fôra confundido com Josa, avião que virara incansável consumidor de peda.

- “Menino tão bom, meu filho. Pai de família. Homem trabalhador.”

O filho mais velho de Ergométrica cortava e vendia lenha para fogueiras de São João. A lenha está toda lá, cortadinha e empilhadinha. O filho mais velho de Ergométrica também trabalhava com cavalos. Eles estão todos lá no terreno vizinho a casa em que morava. Assim como com a lenha, não se sabe o que será feito deles. Nem dos filhotinhos de sua cadela de estimação. Ainda tem as galinhas que ele criava como a sua mãe. O que a Sorte reserva para eles, é desconhecido. Ergométrica quer vender a casa em que vive com os outros filhos. Ela quer se mudar para longe da maré. Seu coração já não aguenta tanta dor. O marido já se fôra, agora o filho mais velho. Ergométrica parece perdida no tempo e parece não mais reconhecer sua função no mundo. Não suporta a idéia de não mais ver o marido e o filho. Foi à missa de sétimo dia porque é de praxe. Conforte-se com ele em seu coração, disse-lhe. 

- “Acontece que não vou vê-lo mais nesta vida, minha filha. E quem me garante que ele estará lá nessa tal outra vida?"

Emudecida, apenas fitei, de Ergométrica, o rosto queimado onde as marcas do tempo se misturam com as do sol.


Image by Usartdude on Devintart

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Panos e mangas


A lua sai de Áries e eu saio de mim. Fecho-me como quem fecha loja para balanço. Eu em balanço. Pra lá e pra cá. Adoro balanços. Meu preferido ficava no jambeiro da casa que virou depósito. Depósito de construção. Eu em construção. Todo dia, um tijolinho a mais. Reparo em caibros e pinturas. O alicerce da casa é o mesmo. A fachada, não. Há que se refazer com o tempo. Há que se acompanhar o tempo. Trem passageiro. Enquanto eu sigo, o mundo não me acompanha. Ou eu não acompanho o mundo. Mundo diminuto. Eu, imenso balão ao céu, quebro regras não para ser anarquista. Quebro regras porque elas não me cabem. Há espaço em mim para o mar. Só o amor me preenche. De hora em hora, um cálice de amor até transbordar. Preencho as bordas que me cercam e vivo. Viva ao rei de Roma e sua indumentária vermelha. Desta vez, tenho mais panos para as mangas e tudo foi feito em não mais que cinco minutos.

Image by renton1313