segunda-feira, 25 de junho de 2012

Parrhesia

ao ver-me no reflexo 
d’água empoçada 
na calçada
percebo que 
ando do mesmo jeito 
sem jeito 
sujeito inquieto
abstrato
insensato
estupefato 
calças largadas
joguem os dados
- outra vez -
continuo no jogo 


Image by Herod on Deviantart.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Cozinha social



Enquanto pessoas se preocupam com a fome e a pobreza no mundo, com questões ambientais, com o que fazem os governantes do nosso país, com a política dos generais mundiais, com um doente em casa, com aquilo em que pais estão transformando filhos, na educação que devemos ter nas escolas, em dar um abraço ou ouvir a voz de alguém, e até com o que disse Jesus, quando aqui esteve, eu conversava com o meu marido na cozinha. Eu disse a ele que éramos jovens. Ele me interrompe com voz e olhar firmes: “– Eu sou um homem adulto.” Eu ri alto e gostoso. Porém, contudo, todavia, entretanto, entendi o que ele falou. Somos adultos, sim. Essa consciência nos diz que não temos tempo a perder com amenidades. Só temos tempo para o que importa. Temos uma mala cheia de coisas importantes com o que nos preocupar e entreter, principalmente. A conversa seguiu e eu só me lembro de ter dito que somos adultos, mas, que ainda temos arte a fazer. Aquela conversa, mais uma entre tantas de todo tempo, ficou em meu pensamento. Enquanto isso, em outra social, a rede, eu troco palavras com uma velha amiga e dou de cara com outra Maria, a Betânia. Ligo os pontos. Estamos na idade da arte. A arte de viver. Mulheres e homens adultos ainda podem e devem namorar, correr na chuva para se molhar, torcer pelo seu time pela TV como se no estádio estivesse, tomar sorvete a qualquer hora do dia ou da noite, sentar nos degraus de uma escada para admirar a lua, ver o sol nascer da janela do seu quarto e ganhar o dia, conversar com bichinhos, passar horas no vídeo game para compensar o que não pôde ser feito antes, chegar até a beira mar e esperar a água bater nos pés, sentar em um balanço em praça pública e em pleno sol do meio-dia para balançar bem alto ou comer besteira quando der vontade. Mulheres e homens adultos podem viver. Viver com arte. Viver em arte. Afinal, nos sobra todo o tempo do mundo. Porque o relógio para quando somos nós.

Aos dois Palmeiras da vida minha:

O marido, pela vida em arte que me proporciona.
E o Time, pela arte da vitória contra o Grêmio em 13/06/12.


http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=DCHANKLFR-s#!


 Image by Anhdres on Deviantart

domingo, 3 de junho de 2012

Amélia Desperta



“Amelhinha, sabe que hora é?” Sei não, senhora. Em minha casa não tem relógio. Coisa de meu marido pra eu não saber a hora de começar e terminar minha odisseia doméstica. Bonito, não?! Odisseia doméstica. Vi na televisão. Quer dizer o que a gente já sabe. Trabalho de casa que não termina nunca. Reconheço quando o sol nasce e quando a lua desponta no céu. Só. Se bem que isso não faz diferença no papel que me foi imposto quando casei. Herança de minha madrinha que me criou moça direita e prendada e, assim, me apresentou àquele a quem eu deveria servir em troca de sustento e de quem me representasse legalmente. Não loura - como naquele filme - porque sou morena. De pele cor de canela como a Gabriela. Só não subi escada de vestido até hoje para não apanhar dele no meio da rua. Benedito faz questão de mostrar que é macho valente e dono do que é seu. Outro dia, ele disse na birosca do Antunes que só se casou comigo porque eu me chamava Amélia. Igual àquela mulher da música que eu não sei quem canta. E disse mais! Disse que não foi porque eu era gostosa, não! Mulher gostosa ele acha em toda esquina. Améeeeelia, não. Amélia é mulher de verdade. Mulher que lava, passa, arruma casa, faz feira, conserta coisa quebrada, aguenta marido bêbado, leva uns safanões de vez em muito em quando, não tem vaidade nenhuma e está sempre pronta para servir ao marido na cama. Olheeee dona Josefa!!! Quando Maria do cajueiro veio me dizer que aquele traste tinha dito essas asneiras, eu subi nas tamancas. Mas será o Benedito?! Ainda bem que madrinha já partiu dessa pra melhor. Pensei logo: é hoje que eu boto esse cachorro pra correr. Ele mal trabalha, bebe até cair, vive as minhas custas e na casa que me foi dada por madrinha Léo. Nunca me deu nada. Não sabe nem o dia do meu aniversário. O único presente que ele me dá é chifre. Posso até vender na feira se eu quiser. Mas, agora, chega! Só tenho mesmo é nome de Amélia. Até tentei ser uma dona de casa como as de antigamente. Acontece que estou cansada. Não dá pra mim. Vem cá. Chamei ele assim no cantinho da cozinha. Essa Amélia com quem tu queria ter casado, trabalhava fora? Tinha filhos? Bichos em casa? Servia bem ao marido? Sim, porque disso eu me orgulho. Faço o serviço de casa bem direitinho. E, principalmente, o de cama. Nos conformes. Você é que dá pra trás vez ou outra. E vaidosa?! Quem foi que disse que eu não tenho vaidade? Tô sempre bem apanhada, meu filho. Você é que não vê. Tem um monte de homem que me enxerga na rua. Pois, fique sabendo que a era do seu reinado acabou. Junte seus troços e desapareça da minha frente. De agora em diante serei Amélia de sobrenome Desperta. Só vou cuidar de quem cuidar de mim. E já vou avisando a vizinhança toda: num estranhem, não! Os móveis vão ficar empoeirados, a casa com teias de aranha, o chão melado e a roupa suja e sem passar. Tô de férias disso tudo por um tempo. Inclusive de homem. E de mulher também! Que não gosto dessas coisas. Vou viajar pra dentro de mim. Me olhar no espelho e me admirar. Respirar e sentir que estou inteira outra vez. Vou viver. E do meu jeito! Porque só quem sabe de mim sou eu mesma. 

Image by Sketch on Deviantart.