sexta-feira, 7 de março de 2008

Olhos fechados e passos curtos para o que está atrás da porta

Mais dois passos ela descobriria o que a salvaria daquele afogamento no mar de lamúria que cobria seu quarto. Mas ela não movimentava mais suas pernas. Não saía mais do lugar em que se enfiara depois que ele desocupou as prateleiras da sua estante, esvaziou as gavetas de seu guarda-roupa e levou os objetos que espalhara pela sua casa. No armário do banheiro, deixou apenas a escova de dente que usava. Ela já estava velha mesmo e precisava ser trocada. Ou seria um sinal que um dia ele voltaria? Esperou... Esperou tanto que não conseguia mais sair do lugar em que se encostou naquele dia. Já faz tanto tempo que o calendário perdeu sentido. Mesmo assim, resolvia sempre ficar e esperar. “-Não sozinha!”, disse ela ao besouro que chegara a sua janela. E completou confiante: “-Nunca se está realmente só: tem os outros em nós, a música que toca, a letra que forma, o pássaro que voa, a lembrança que povoa, o filme que passa, o desconhecido que acena na esquina, o sol que nasce, a lua que brilha, a estrela que cai e você que vai chegar.” Esquecera apenas que o tempo corre em toda espera. Geleiras derretiam e a água cobria tudo sempre mais e mais. Ela ficou e se foi. Esvaeceu-se no que um dia acreditou ser o perdão para todos os seus pecados...


Zélia














Photo by Dollsey

segunda-feira, 3 de março de 2008

Textículo



Passou a chuva.

Jogo espalhado.

Tudo que restou,

Dentro de um velho baú...

Zélia

domingo, 2 de março de 2008

doença crônica

Cem inspirações só em alguns anos, quando a mão murchar e o novelo de lã acabar. Agora é a gente que grita e sacode a brisa que nunca esfria aqui em nossa terra. Alguém se inspira em Paris, alguém se inspira aos Lusíadas, mas como a gente, ninguém tenta acordar tanto as letras que dormem por falta de leitura. A gente usa até falta de imaginação para criar e pode vir Lacan e a Academia inteira. A gente ainda dá forma aos textos sem resolução. A gente sofre de doença crônica e não tem quem dê jeito. Só escrevendo. Uma letrinha miúda e lá vem outra criação.

Alice


















Photo by kala.schni.kowa

sábado, 1 de março de 2008

Cem-inspirações e a apologia ao conhecer


Não me importa se não sei das coisas. Não me importa se não sei com quantos paus se faz uma canoa, onde o vento faz a curva, onde o diabo perdeu as botas. Não me importa se não sei todos os elementos da Tabela Periódica ou calcular o valor de x. Não me importa se não sei o que vai acontecer amanhã nem para onde vamos partir depois dessa. O que me importa é o conhecer. Quero conhecer você, os filhos que terei e o que virá. Quero conhecer a literatura que abre portas e a música que lava a alma. Conhecer quem quer cuidar do Outro, conhecer o néctar da vida, conhecer os eus em mim. Conhecer! Talvez, isso seja aquilo que não me pode ser tirado. Conhecer é o segredo de tudo. A chave que abre as portas para mundos mais secretos. Porque tudo será revelado, basta-me o conhecer...

Zélia


Photo by Princess of Shadow