quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Paisagens no espelho


Eu era

a criança que você amamentou

Eu era

os primeiros passos para os teus braços

Eu era

a escola da tia Hélia

Eu era

a língua que cantava outras vozes

Eu era

a namoradinha de sempre

Eu era

o catar de conchinhas na praia

Eu era

a mãe do filho que não gerei

Eu era

noites sem dormidas

Eu era

hebreu em busca de liberdade

Eu era

a voz que calou

Eu era

a menarca atrasada

Eu era

a matemática de conta inexata

Eu era

a física de circuito fechado

Eu era

a química de explosões

Eu era

sonho acordado

Eu era

sonho dormido

Eu era

sonho que cabia nas mãos

Eu era

todo alfabeto

Eu era

amor encontrado

Eu era

luz em fim de túnel

Eu era

amiga de relógio sem ponteiro

Eu era

flor de jardim

Eu era

jardim sem flor

Eu era

árvore sem fruto

Eu era

cesta de frutas

Eu era

livro de cabeceira

Eu era

sol entrando pela janela

Eu era

luz da lua no mar

Eu era

o encontro ao chão

Eu era

escada magirus

Eu era

poltrona de nuvem

Eu era

solo Mayor

Eu era

vida que sai do choro

Eu era

funeral sem corpo

Eu era

corpo e funeral

Eu era

volta

Eu era

espera

Eu era

chegada

Eu era

Edouard Glissant lá da Martinica

Eu era

o sexo que você desejava

Eu era

nós

Eu era

você

Eu era

eu

Eu era

o que já não sou mais

Assumo

o princípio da exotopia

A cada instante

uma peça nova no Mosaico

Vivo o novo de cada dia

E feliz

Sou




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