Há um grito de vida que me
desperta toda manhã. Vida em cor de movimento e espontaneidade. Que
insistência. Hoje, não! Fecho os olhos, disfarço. A vida segue. Deitada, ainda,
vejo a hora. São nove em ponto. Já foram seis e quinze e sete e vinte. Às oito
e dez, terminei o café da manhã na cama. O dia seguiu nublado, percebi. Por
alguns instantes, fraquejei. Uma preguiça descomunal tomou conta de mim. Mas,
não é sempre assim? Não quis levantar e colorir o mundo. Gosto do todo e do
tudo limpo, cheio de cor. Cor forte e viva. Para encobrir a verdade? Sim,
claro! Nada é tão assustador e cruel quanto a verdade. Verdade é mal que não se
cura. Tomado por ela uma pessoa jamais será a mesma novamente. A verdade queima.
Arranca do corpo a pele que o protege. Tal qual queimadura, deixa marcas que
ferem como águia que devora fígado. O mundo precisa de cores. Cores fortes e
vivas! Uma parede rosa choque nesta sala cairá bem. A quem tem olhos para ver, minha
feminilidade, sensualidade e romantismo. Tiro certeiro para atrair homens. No
caminho que percorreremos para o quarto, um corredor com a energia e
prosperidade do amarelo. Mulheres ricas são mais atraentes. Em meu quarto... Deixe-me
ver... Uma cor para reforçar o meu romantismo azul da cor do céu. A mais fria
das cores frias? Ah! Homem não sabe disso. É preciso dar a ideia de lealdade e fidelidade.
Homem gosta disso. Homem? Eu deveria estar pensando em mim. Estou! Vou mandar
pintar nuvens brancas em meu quarto. Assim, vou pensar que estou no céu. Pouco
me importa se não é verdade. O que vale é o que vejo. Não quero verdade. Na frente
da casa, um verde-oliva para dar a impressão que estou sempre pronta para a
guerra. Só que você nunca está pronta, querida. Não. Não estou nem quero estar.
Encher-me de terra, lama, suor e sangue? Nunca. Prefiro o refúgio de minha
casa. Tudo limpo e colorido. Nada em tons de vermelho, branco, preto ou cinza.
Essas são as cores da verdade. O poder destrói a inocência trazendo terror e
depressão. A verdade deprime, atormenta, persegue. Toda vez que fecho os olhos
ela está lá. Revejo lugares por onde passei. Lugares secos e áridos igual à
gente daquelas bandas. Gente pobre, fedorenta. Gente de destino traçado: do vermelho
do parto ao branco do pó que entorpece e ao vermelho do parto novamente. Agora,
para sempre. Meu destino quem faz sou eu. Ele deve ser colorido. Cores fortes e
vivas. Como as cores que encobriam o mundo da mulher que dá risada de sua
própria tragédia.