sábado, 20 de julho de 2013

Ao passar das coisas e da gente.

A gente passa
Passa o carteiro
Passa a lesma
Na calçada.

A gente passa
Passa o carro
Passa o trem
Na mesma pressa

A gente passa
Passa o fel
Passa o ferro
Ferindo igual
De Páris a lança

A gente passa
Passa o vento
(Passatempo)
Levando o que
Raiz não tinha.


À arte melodramática.


Imagem: It's all about art.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Por onde passa o sol, a chuva passa.

A gente se perde. Muitas vezes. Mas sempre consegue encontrar o caminho de volta – ou de uma volta. É capacidade inata aos seres viventes. Caminhar é viver. Enquanto a gente caminha, a gente vive. Enquanto a gente vive, a gente atua, disse o Bardo do Avon. Eu atesto, testo. Um passo, outro passo. Uma fala, outra fala. Um cenário, outro cenário. Um terreno, mortos enterrados e eu me enxergo contorcionista. Uma dobra pra cá, outra pra lá. Um quadrado, um triangulo, um círculo. Contorção é acrobacia. Não se vive e não se caminha sem acrobacias. Eu vivo, eu caminho, eu atuo. Em um circo de plateia contada e lona furada – para que passe o sol e a chuva passe – faço da minha parte a parte que me cabe a cada dia. Faça chuva ou faça sol ou que me doa mais ou menos.

“O gato bebe leite,
O rato come queijo
E eu, toco meu trabalho.” *

* Em O Palhaço (2011), direção de Selton Melo.

Foto: Stanislav Odyagailo.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Quais são as cores de Frida?

Há um grito de vida que me desperta toda manhã. Vida em cor de movimento e espontaneidade. Que insistência. Hoje, não! Fecho os olhos, disfarço. A vida segue. Deitada, ainda, vejo a hora. São nove em ponto. Já foram seis e quinze e sete e vinte. Às oito e dez, terminei o café da manhã na cama. O dia seguiu nublado, percebi. Por alguns instantes, fraquejei. Uma preguiça descomunal tomou conta de mim. Mas, não é sempre assim? Não quis levantar e colorir o mundo. Gosto do todo e do tudo limpo, cheio de cor. Cor forte e viva. Para encobrir a verdade? Sim, claro! Nada é tão assustador e cruel quanto a verdade. Verdade é mal que não se cura. Tomado por ela uma pessoa jamais será a mesma novamente. A verdade queima. Arranca do corpo a pele que o protege. Tal qual queimadura, deixa marcas que ferem como águia que devora fígado. O mundo precisa de cores. Cores fortes e vivas! Uma parede rosa choque nesta sala cairá bem. A quem tem olhos para ver, minha feminilidade, sensualidade e romantismo. Tiro certeiro para atrair homens. No caminho que percorreremos para o quarto, um corredor com a energia e prosperidade do amarelo. Mulheres ricas são mais atraentes. Em meu quarto... Deixe-me ver... Uma cor para reforçar o meu romantismo azul da cor do céu. A mais fria das cores frias? Ah! Homem não sabe disso. É preciso dar a ideia de lealdade e fidelidade. Homem gosta disso. Homem? Eu deveria estar pensando em mim. Estou! Vou mandar pintar nuvens brancas em meu quarto. Assim, vou pensar que estou no céu. Pouco me importa se não é verdade. O que vale é o que vejo. Não quero verdade. Na frente da casa, um verde-oliva para dar a impressão que estou sempre pronta para a guerra. Só que você nunca está pronta, querida. Não. Não estou nem quero estar. Encher-me de terra, lama, suor e sangue? Nunca. Prefiro o refúgio de minha casa. Tudo limpo e colorido. Nada em tons de vermelho, branco, preto ou cinza. Essas são as cores da verdade. O poder destrói a inocência trazendo terror e depressão. A verdade deprime, atormenta, persegue. Toda vez que fecho os olhos ela está lá. Revejo lugares por onde passei. Lugares secos e áridos igual à gente daquelas bandas. Gente pobre, fedorenta. Gente de destino traçado: do vermelho do parto ao branco do pó que entorpece e ao vermelho do parto novamente. Agora, para sempre. Meu destino quem faz sou eu. Ele deve ser colorido. Cores fortes e vivas. Como as cores que encobriam o mundo da mulher que dá risada de sua própria tragédia.


 

Imagem em http://www.fridakahlo.org/moses.jsp - Moses (Nucleus of Criation) By Frida Kahlo, 1945

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Madalenas

Entre o ser que sou e o ser que estou, uma madalena. É o intervalo de que preciso para me equilibrar. O frio e os flocos de algodão caindo do céu me agradam mais que poderia imaginar. Minha culpa! Frio e neve me cabem de tal forma que eu poderia correr até a praça e me tornar parte dela. Congelada, assim como tudo que é vivo e o que não o é. Há sol no lado do hemisfério das águas. Sol de sombras mórbidas. Eu devia chorar. Não devia sorrir ou sentir essa felicidade besta. Em terras castelhanas, apesar do frio, o sol é brilho e traz a vida que grita. Meu equilíbrio distorce e eu preciso de outra Madalena. Talvez, eu me apegue tanto as madalenas porque deseje ser como aquela Madalena que largou tudo e fugiu. Mas, ao contrário dela, que teve os seus pecados perdoados quando deixou tudo para trás, os meus pecados começariam com a minha fuga. Viveria como pecadora fugitiva. Intervalo do intervalo. Não tenho certeza de que isso me agrade. Sou marinheira aprovada com louvor. Sempre enfrentei mar bravo. Fugir não me cai bem. Embora me canse, às vezes. Quanto aos pecados, estes me servem bem. O que me falta é só esse. O pecado de enfrentar a fuga. Meu equilíbrio oscila ainda mais e eu devoro outra madalena. Conhecessem essas madalenas, teriam me receitado uma por dia (para não engordar) ao invés das pílulas de açúcar e água. Conhecessem essas madalenas, seria reformulado um velho ditado inglês: Many magdalenas a day keep the doctor away. O médico e todos os males. Outra madalena, pouco me importa o quanto engorde, encerro o intervalo. Equilibro-me na linha bamba que me separa daquilo que sou e aquilo que estou. Sigo. Não fujo. 



Minhas Madalenas. :)
Inverno de um verão qualquer.