quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Ao espelho


Seria aquela que era
Mulher de verdade

Tivesse eu
Nascido Amélia.

Tivesse nascido Hélia
Temeria ao meu deus.

Tivesse nascido Camélia
Meus pecados perdoariam

Tivesse nascido Ofélia
Ao rio me entregaria.

Entretanto, nasci Zélia
Vivo à revelia.


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quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Pintura d'Alma

Não sei se sou
Garoa ou tempestade
Riso ou choro
Tempero ou destempero
Nem sei se sou ou estou
E quem dera todas as borboletas
Em meu quintal fossem azuis





Recomendo: 
Fernando Pessoa in: Cancioneiro (Nota Preliminar)

1 - Em todo o momento de atividade mental acontece em nós um duplo fenômeno de percepção: ao mesmo tempo em que temos consciência dum estado de alma, temos diante de nós, impressionando-nos os sentidos que estão virados para o exterior, uma paisagem qualquer. Entendendo por paisagem, para conveniência de frases, tudo o que forma o mundo exterior num determinado momento da nossa percepção. 
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2 - Todo o estado de alma é uma passagem. Isto é, todo o estado de alma é não só representável por uma paisagem, mas verdadeiramente uma paisagem. Há em nós um espaço interior onde a matéria da nossa vida física se agita. Assim uma tristeza é um lago morto dentro de nós, uma alegria um dia de sol no nosso espírito. E - mesmo que se não queira admitir que todo o estado de alma é uma paisagem - pode ao menos admitir-se que todo o estado de alma se pode representar por uma paisagem. Se eu disser "Há sol nos meus pensamentos", ninguém compreenderá que os meus pensamentos são tristes.      
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3 - Assim, tendo nós, ao mesmo tempo, consciência do exterior e do nosso espírito, e sendo o nosso espírito uma paisagem, tempos ao mesmo tempo consciência de duas paisagens. Ora, essas paisagens fundem-se, interpenetram-se, de modo que o nosso estado de alma, seja ele qual for, sofre um pouco da paisagem que estamos vendo - num dia de sol uma alma triste não pode estar tão triste como num dia de chuva - e, também, a paisagem exterior sofre do nosso estado de alma - é de todos os tempos dizer-se, sobretudo em verso, coisas como que "na ausência da amada o sol não brilha", e outras coisas assim. De maneira que a arte que queira representar bem a realidade terá de a dar através duma representação simultânea da paisagem interior e da paisagem exterior. Resulta que terá de tentar dar uma intersecção de duas paisagens. Tem de ser duas paisagens, mas pode ser - não se querendo admitir que um estado de alma é uma paisagem - que se queira simplesmente interseccionar um estado de alma (puro e simples sentimento) com a paisagem exterior. [...] 


Image by AnneJulie on: DevintArt

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Elouquecencia

You don’t write because you want to say something, 
You write because you have something to say. 
Francis Scott Fitzgerald

 Você não escreve porque quer dizer algo, 
Você escreve porque tem algo a dizer. 
(Minha tradução)

 
 



Há quem não creia
Em minha retórica
De versos longos

Ensolarados 
Floridos 
Coloridos
Polidos 
Sonidos
Cândidos 
Descomedidos
Envaidecidos 
Sacramentados 


Em nada me afeta
Tua descrença
Minha voz permanecerá
LI BER TA
Enquanto Amor
Em mim
HA BI TA


Image by Lilfairie On DeviantArt

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Mouse in the house



Moro em uma casa que não me pertence. Roupas, sapatos, poeira, traças e teias de aranha tomam conta de tudo. Entro e saio e o amontoado de coisas continua lá. Crescendo. Assim como se tivesse vida. Tem um ditado que diz – tem ditado para tudo nesse mundo. A sabedoria popular deveria ser mais sábia, então. – “Quando o gato sai, os ratos fazem a festa”. Olho o relógio toda vez que entro em casa. Não sei, ao certo, se para saber quanto tempo eu gastei fora ou se para saber quanto tempo me resta em casa até o dia seguinte. 22h44min de uma noite de um dia qualquer. Não me importo muito com os dias. Eles me parecem todos iguais. Volto para casa do trabalho. Extremamente cansada, meu maior desejo se resume a um banho, um copo de leite e cama. Como se estivesse participando de uma maratona, ultrapasso os obstáculos que me impedem de alcançar meu desejo. Em meio ao trajeto, ouço música e risos. Olho para um lado, nada. Olho para o outro, nada. Quando bem em minha frente, um rato me estende um tapete vermelho. Ele havia me preparado uma festa em agradecimento ao primeiro aniversário de minha hospitalidade para com ele. Sem muito que dizer, larguei o peso que trazia em meus ombros e cai na farra.


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