domingo, 28 de julho de 2013

À (in)sustentabilidade das relações.

Se o mundo dá voltas, 
em que estação eu devo descer?


Voltei a escrever longas cartas para ninguém. O inverno nem é frio, mas, eu sinto calafrios. Agarrar um lápis traz calor as mãos. Todos saíram pela porta dos fundos e eu fiquei. Fiquei porque meu contorcionismo é falho. Eu não caibo em todo lugar. Nem todo lugar me cabe. Você, também, é um lugar. Lugar onde eu deveria encontrar abrigo, proteção, amor e cuidado sempre que precisasse. Eu preciso. Sou precisa. Essas coisas fazem de nós humanos vulneráveis, eu sei. Eu deveria ser alienígena. Ou um mutante.  

Cena faltando.

Não sou eu que dou abrigo? Que dou proteção? Que amo? Que cuido? Sim... Só que, agora, estou quebrada. E a consciência das pessoas não desapegou ainda da filosofia do quebrou, joga fora! Faz-se tempo de reciclagem. Acontece que reciclagem dá trabalho. É preciso manter aquilo que vai ser reciclado. Manter é proteger, é cuidar, é amar. Amar é, segundo os caprichos de Eros, convencional, belo e perfeito. Portanto, amar ao que não lhe convém, amar ao velho e amar ao torto é, no mínimo, desafiar o Cupido. Voltamos à reciclagem. O que dizer da reciclagem de pessoas? Pessoas são chatas, antissociais, imperfeitas. - Pois têm vontades e sentimentos próprios - Pessoas não pedem perdão, pessoas não perdoam. Espere... Talvez, eu deva descer em qualquer estação e seguir. Ou parar. Parar e só olhar o vai e vem de pessoas em trem cujo caminho é uma linha reta.



Imagem em: Deviantart. 

sábado, 20 de julho de 2013

Ao passar das coisas e da gente.

A gente passa
Passa o carteiro
Passa a lesma
Na calçada.

A gente passa
Passa o carro
Passa o trem
Na mesma pressa

A gente passa
Passa o fel
Passa o ferro
Ferindo igual
De Páris a lança

A gente passa
Passa o vento
(Passatempo)
Levando o que
Raiz não tinha.


À arte melodramática.


Imagem: It's all about art.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Por onde passa o sol, a chuva passa.

A gente se perde. Muitas vezes. Mas sempre consegue encontrar o caminho de volta – ou de uma volta. É capacidade inata aos seres viventes. Caminhar é viver. Enquanto a gente caminha, a gente vive. Enquanto a gente vive, a gente atua, disse o Bardo do Avon. Eu atesto, testo. Um passo, outro passo. Uma fala, outra fala. Um cenário, outro cenário. Um terreno, mortos enterrados e eu me enxergo contorcionista. Uma dobra pra cá, outra pra lá. Um quadrado, um triangulo, um círculo. Contorção é acrobacia. Não se vive e não se caminha sem acrobacias. Eu vivo, eu caminho, eu atuo. Em um circo de plateia contada e lona furada – para que passe o sol e a chuva passe – faço da minha parte a parte que me cabe a cada dia. Faça chuva ou faça sol ou que me doa mais ou menos.

“O gato bebe leite,
O rato come queijo
E eu, toco meu trabalho.” *

* Em O Palhaço (2011), direção de Selton Melo.

Foto: Stanislav Odyagailo.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Quais são as cores de Frida?

Há um grito de vida que me desperta toda manhã. Vida em cor de movimento e espontaneidade. Que insistência. Hoje, não! Fecho os olhos, disfarço. A vida segue. Deitada, ainda, vejo a hora. São nove em ponto. Já foram seis e quinze e sete e vinte. Às oito e dez, terminei o café da manhã na cama. O dia seguiu nublado, percebi. Por alguns instantes, fraquejei. Uma preguiça descomunal tomou conta de mim. Mas, não é sempre assim? Não quis levantar e colorir o mundo. Gosto do todo e do tudo limpo, cheio de cor. Cor forte e viva. Para encobrir a verdade? Sim, claro! Nada é tão assustador e cruel quanto a verdade. Verdade é mal que não se cura. Tomado por ela uma pessoa jamais será a mesma novamente. A verdade queima. Arranca do corpo a pele que o protege. Tal qual queimadura, deixa marcas que ferem como águia que devora fígado. O mundo precisa de cores. Cores fortes e vivas! Uma parede rosa choque nesta sala cairá bem. A quem tem olhos para ver, minha feminilidade, sensualidade e romantismo. Tiro certeiro para atrair homens. No caminho que percorreremos para o quarto, um corredor com a energia e prosperidade do amarelo. Mulheres ricas são mais atraentes. Em meu quarto... Deixe-me ver... Uma cor para reforçar o meu romantismo azul da cor do céu. A mais fria das cores frias? Ah! Homem não sabe disso. É preciso dar a ideia de lealdade e fidelidade. Homem gosta disso. Homem? Eu deveria estar pensando em mim. Estou! Vou mandar pintar nuvens brancas em meu quarto. Assim, vou pensar que estou no céu. Pouco me importa se não é verdade. O que vale é o que vejo. Não quero verdade. Na frente da casa, um verde-oliva para dar a impressão que estou sempre pronta para a guerra. Só que você nunca está pronta, querida. Não. Não estou nem quero estar. Encher-me de terra, lama, suor e sangue? Nunca. Prefiro o refúgio de minha casa. Tudo limpo e colorido. Nada em tons de vermelho, branco, preto ou cinza. Essas são as cores da verdade. O poder destrói a inocência trazendo terror e depressão. A verdade deprime, atormenta, persegue. Toda vez que fecho os olhos ela está lá. Revejo lugares por onde passei. Lugares secos e áridos igual à gente daquelas bandas. Gente pobre, fedorenta. Gente de destino traçado: do vermelho do parto ao branco do pó que entorpece e ao vermelho do parto novamente. Agora, para sempre. Meu destino quem faz sou eu. Ele deve ser colorido. Cores fortes e vivas. Como as cores que encobriam o mundo da mulher que dá risada de sua própria tragédia.


 

Imagem em http://www.fridakahlo.org/moses.jsp - Moses (Nucleus of Criation) By Frida Kahlo, 1945