segunda-feira, 31 de maio de 2010

Sonhos e pedras




A vida é feita de sonhos. Há quem não canse de repetir essa frase da sabedoria popular. Mas eu vou ousar dizer que o sábio que é sábio mesmo sonha acordado e sabe aproveitar cada segundo desse sonho.

O que nunca foi plano virou sonho – sonho que se sonha acordado. Há uma diferença entre um plano e um sonho. Um plano, diz Aurélio, é um conjunto de ações e medidas a serem tomadas. Um sonho, normalmente esta associado a imagens desconexas e confusas que chegam a nossa mente enquanto estamos dormindo – sonho dormido. Quando estamos acordados, digo eu, o sonho é a realização de uma graça. Graça que, muitas vezes, não foi sequer pedida. Eu tive um sonho que sonhei acordada e eu soube aproveitá-lo em toda a sua essência. Eu já estava lá. Nada poderia mudar minha condição.

Um dia perdido no calendário, inverno de janeiro de 2009 na região de Castilla y Leon, Espanha. Encontro-me diante das muralhas de 2,5 quilômetros de extensão, mais ou menos 12 metros de altura e 88 torres que guardam a cidade de Ávila. São as muralhas medievais mais antigas existentes no país. Por detrás de seus muros, uma cidade guardada como quem guarda um tesouro. Estar ali representa muito mais que um momento para tirar fotografias e colecioná-las em uma gaveta, em um álbum ou na memória de um computador. Estar diante das muralhas de Ávila significa estar vivendo um sonho que se sonha acordado. É estar prestes a reviver páginas de um livro de História. É ter todas as suas memórias e tradições espalhadas pelo chão que há em você. É viver um lugar onde o velho convive com o novo em harmonia. É ver o novo e trazê-lo para o velho que há em você.

A cidade de Ávila fica próxima a Madrid, capital da Espanha e, também, próxima a cidade de Salamanca, que faz parte da mesma região de Castilla y Leon, onde residia, na época, o meu único irmão. Eu estava em Salamanca por ocasião do nascimento de sua primeira filha – la españolita de mi corazon. Enquanto o bebê não nascia, aproveitamos para conhecer a região. Viajamos de carro e a cada lugar que visitávamos muitas surpresas e a mala mais cheia de novidades e experiência.

Entre coisas que só posso guardar comigo, estão aquelas que aprendi e que posso dividir. As muralhas de Ávila foram construídas no final do século XI por Raimundo de Borgonha a pedido do rei Alfonso VI de Castella. Sua intenção era repovoar e fortificar as cidades de Ávila, Segóvia e Salamanca. Trata-se de uma construção militar românica que juntamente com suas igrejas foram tombadas como patrimônio histórico da humanidade pela UNESCO. É a única construção militar cristã que se conserva exatamente como foi construída. Por isso, experts a consideram a maior e mais conservada muralha da Europa. Ela representa o maior e mais completamente iluminado monumento do mundo.

A cidade de Ávila fica situada sobre uma colina aos pés da serra de Guadarrama. É a cidade de maior altitude da Espanha. Seus primeiros habitantes foram povos de origem celta. Hoje, tem cerca de 50.000 habitantes. Ávila foi berço de Santa Terezinha, fundadora das Carmelitas Descalças. A cidade sobrevive de seu turismo, comércio, do artesanato e do fabrico de doces tradicionais.

Foi em Ávila, diante de suas muralhas, uma das vezes em que senti o meu coração bater mais apertado. A neve caia forte com vários chumaços de algodão. Tudo coberto do branco mais branco. Dias corriam soltos desde que viajara para a Espanha. Faltavam algumas pessoas comigo... Pensei um pouco. Escrevi seus nomes sobre a neve e adentrei os portões de Ávila como quem entra nas páginas de um livro ou como quem entra em uma cena de filme de fantasia, romance e aventura.


Nota:

1. Texto escrito para a segunda postagem coletiva do blog Espaço Aberto.

http://um-blog-para-todos.blogspot.com/


2. Foto de acervo particular.