É verdade que aquela não era uma noite comum apesar de dia de semana. Encontro de pessoas para comemorar meu aniversário. Um grupo de mulheres se junta. Estranho ficar de expectadora. O local e a ocasião, senti que de pouco importava. Elas poderiam estar na liquidação de um shopping, no corredor de um supermercado, na esquina da rua em que moram, no salão de beleza, na reunião de pais e mestres da escola ou naquele cursinho básico de inglês para viagens. O tema da conversa seria o mesmo. Ainda tenho minhas dúvidas mas acredito que elas estavam trocando experiências sobre o ser mulher. Talvez até uma competição às escuras para saber quem era mais mulher que a outra. Eu ouvia aquela conversa estupefata. No começo ainda ri. Foi engraçado ouvir minha amiga falando no quanto comia enquanto estava grávida. Assim que elas se juntaram, o assunto já era sabido. Uma delas estava grávida. Gosto de conversas de grávidas e de mães embora não tenha filhos e nem nunca tenha ficado grávida. Mas aquela conversa me chamou a atenção. Não apenas porque peripécias de sobrinhos não contam. Sobrinhos não são filhos! Aquela conversa me chamou a atenção mesmo por eu sair dali com o meu certificado de doida em mãos e a certeza de que ser mulher é apenas um elemento figurativo na minha certidão de nascimento. Começou a minha amiga:
- Você está sentindo alguma coisa?
- Não. Apenas certa azia de vez em quando. Respondeu a grávida.
- Ah! Mas isso é normal. Depois passa. Toda mulher tem isso.
Como mulher não fica calada, a conversa desembestou. Às vezes, falavam todas ao mesmo tempo.
- Eu entrei na sala de parto conversando. Falei a cirurgia toda. Não tive meu filho de parto normal. Claro que não! Sentir aquelas dores horríveis! E a minha médica foi ma-ra-vi-lho-sa. Tudo estava pronto a minha espera. Ouvi que ela estava conversando com a sua assistente sobre o encontro amoroso da enfermeira enquanto me cortava como quem corta um peru de natal. Aí eu entrei logo na conversa. Conversei muito e não senti nada de dores que dizem serem causadas pela anestesia.
- Ah, não! Eu senti. Odiei tudo. Passei muito mal nos primeiros dias. Aliás, passei mal a minha gravidez inteira. Não quero mais engravidar. Vou ficar só com essa aí (apontando para a menininha que brincava em volta).
Houve um leve estranhamento com aquele anúncio. E a mulher logo continuou:
- Ah! Quando essa aqui tinha três meses (a menininha em cena outra vez) esse daqui (apontando para o marido que conversava, talvez, sobre futebol com o marido de outra lá) fez logo vasectomia porque eu disse logo! Não fico mais grávida.
Ela fez uma cara feia ao terminar de falar. Alguém sugeriu adoção. Certamente por acreditar que adotar uma criança é, também, uma questão de colaborar com o meio ambiente. Então a mulher se manifesta novamente.
- É pode ser... Agora eu só engravido de novo se eu vier a me casar com outra pessoa.
Espantei-me! Depois entendi. Naquele casamento ela já tem o seu sustento e uma forma de segurar o marido. No entanto, como na vida não há certezas, ela haveria de fazer o seu papel de mulher mais uma vez caso fosse preciso. Dar um filho ao marido, posar de boa esposa e mãe quando alguém estiver olhando e assegurar mais uma vez o seu ganha pão. Além de poder anunciar “eu tenho filho com ele”. Parece que ter filho com um homem dá o direito a mulher de marcar o homem. Assim como quem marca boi com ferro quente. A conversa ainda seguiu e eu lá. Assistindo a tudo. E devorando a bandeja de salgados que estava ao meu lado. Não tenho problemas para engordar e não faço exercícios físicos. Pelo menos na hora em que a conversa girou em torno da boa forma, eu pude exibir meu corpo magro e em forma – a não ser por uma barriguinha que começa a ficar saliente. Besteira diante daquelas jacas falantes. Voltando ao tema central da conversa, me atrevi a participar. Afinal, eu estava ali e era meu aniversário. Uma delas, já com filhos crescidos, dizia ter coragem para engravidar mil vezes. Só não queria era levar a criançada pra casa. Ela poderia fazer dinheiro alugando a barriga. Isso é proibido no Brasil? Não sei! Mas quem precisaria saber que ela alugava a sua barriga? A barriga é dela! Sim. Essa mesma. Quando ela falou que o seu filho, agora com vinte anos, quando bebê, só queria dormir na cama com ela e embaixo do sovaco dela, eu encontrei minha deixa. Gritei:
- Engraçado! A minha sobrinha de um ano e meio só quer dormir assim. Debaixo de sovaco do pai.
Não sei o que causou mais espanto. Se o fato de eu me atrever a entrar na conversa falando da minha sobrinha (sobrinho não é filho) ou se o fato da minha sobrinha preferir dormir com o pai. Certamente foi o primeiro fato. A conversa se dava entre mulheres, esposas, mães, gravidezes e filhos. O que eu fazia ali? Bom, era meu aniversário mas que importância isso tinha diante de tão grandioso assunto? Saí por um instante. Já tinha comido um pedaço enorme de bolo delicioso. Nem todas comeram. Há-ha! Fui ver a lua que se escondia entre nuvens de chuva. Pensei um pouco e ri muito. Não sou mulher. Sou doida. Não dependo do meu marido, decidi não ter filhos, não gosto de estar rodeada de mulheres, muito menos de fofocar sobre a loira que se mudou para a casa amarela, sobre quantas vezes a chefe do meu marido fez Botox ou sobre como certas mulheres dizem criar seus filhos. Irrita-me ouvir que quem sabe mais sobre crianças é quem tem filhos ou quem gerou filhos, disseram. Curioso é ouvi-las considerando, mesmo que rapidamente, a possibilidade de adoção. Ora! Uma falou e todas concordaram. Só engravidando para saber como é ter filhos. Então, quem adota não é mãe. Mãe é quem atira filho pela janela, mãe é quem abandona o filho no frio dentro de um saco de lixo, mãe é quem interrompe uma gravidez por achar, simplesmente, que não é hora pra isso ou que não pode engordar. Todas essas mães engravidaram. Geraram ou começaram a gerar uma vida. São mulheres, são mães. Eu entendi. Entendi também que, definitivamente, não serei mãe nem mulher. Serei doida.
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