Não era o cheiro do café matinal que me acordava. Café, em minha infância, era bebida ímpar. Crianças não deviam tomar café. Os sucos de frutas e leites trazem mais benefícios aos pequenos. Café, eu bebia no dia em que tinha bolo quentinho saindo do forno ao final de tarde. Ou, então, bebia com chantilly no dia em que chovia para esquentar. O que me acordava era o cheiro da tua orquídea na janela. Aroma singular. Sinto falta daquele cheiro. Mudei de janela. Aliás, mudei de tudo. O café, agora, tomo na hora que quero. Nem hábito, nem revanche. Mas, adulta, tem coisas que posso fazer sem que me permitam ou não. Não sou de encher a cara, mas, tomo uma(s) taça(s) de vinho de vez em quando. Mesmo só, antes de dormir. Não ajuda em nada. Álcool não esquenta no frio e não cura resfriado. Só é gostoso. Quando é vinho bom, tem gosto bom. Não bebo o que me faz mal se tem gosto ruim. Voltando às janelas, eu continuo venerando-as. São meu passatempo preferido. Da janela, olhar a gente na rua. Admirar o gato, na janela, olhar a gente na rua. Aguar as plantas da janela. Falar ao telefone à janela. Conversar com gente da janela. Escrever usando a janela como mesa. O mais especial: tocar o céu da janela do avião. Não tenho medo de morrer quando estou voando. Estar no céu, dentro de um avião, é onde fisicamente posso chegar mais perto de Deus. Ao observar o mundo lá de cima, minha alma vive o quanto é grande o meu Senhor. Se eu tiver que morrer lá em cima, vou em paz. Porque é assim que eu me sinto ao ver o mundo daquela janela. Céu e oceano imensos, feito um só. E eu, parte disso, sou filho feliz por saber aonde Te encontrar e a tua orquídea, devolver.
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