sexta-feira, 29 de julho de 2011

O homem que morreu sorrindo

Menelau Pereira de Não Me Lembro ao Certo, mais conhecido como Seu Mené, fôra encontrado morto debruçado sobre uma calçada na Rua da Areia. Buchicho do dia. Seu Mené sempre rendera conversa. Um criticava daqui, outro dali, fulano dizia sentir pena dele, enquanto sicrano se deliciava com a desgraça alheia. Seu Mené era feirante bem sucedido. Fôra um dos pioneiros do Mercado Central. Vendia de tudo em sua barraca. De verduras a frutas, de carnes a queijo. Gente de todos os lados vinha comprar com ele por causa da qualidade de seus produtos. Seu Mené era muito exigente, me confessou a sua mulher, que já não exercia mais esse papel há tempos. Seu Mené só não foi exigente com ele mesmo. Do gole de pinga antes do almoço, Seu Mené foi passando para a garrafa, depois garrafas e mais garrafas de pinga. Seu Mené já não devia ter mais nada por dentro. Assim como não tinha por fora. Perdeu seu comércio, perdeu seus fregueses, perdeu a família, perdeu sua dignidade, perdeu seu amor próprio, perdeu sua saúde, perdeu seus amigos que se diziam verdadeiros. Sobraram-lhe apenas as barracas onde ele continuava bebendo e alguns companheiros a lhe fazer companhia apenas para não beberem sozinhos. Bêbado tem isso. Não gosta de beber sozinho. Parece saber que a bebida se não é boa companhia para quem está junto, imagine para quem está só. Lembro que Seu Mené chegou, por várias vezes, a fazer pequenos serviços para Seu Zezé em troca de alguns goles de pinga. Seu Zezé era o único que ainda lhe aguentava. Talvez, não se deva mesmo espantar fregueses. Eu também não fiz nada por Seu Mené a não ser sentir pena e rezar por ele. Minha pena não o levou a lugar algum. A minha reza, tenho certeza que contribuiu para a paz de sua alma. Outra coisa que fiz por Seu Mené foi ficar pensando em como não se fazia nada para ajudar aquele homem. A mulher havia desistido dele, os filhos lhe viravam a cara, para o resto da família ele não existia e os amigos, aqueles antigos, nem sequer bom dia lhe davam. Eles diziam já terem feito de tudo e que Seu Mené bebia porque era safado mesmo. Não tinha vergonha na cara. Mas eu sempre me perguntava se aquilo que eles haviam feito foi o certo. Quando alguém falha com o outro é porque não foi assertivo. Falharam com Seu Mené. O que me intriga ao acordar com a notícia da morte de Seu Mené é que ele morrera sorrindo. Vi o sorriso em seu rosto. Mais buchicho. “O veio era safado mesmo. Rindo de sua própria desgraça”. Fico a pensar... Seu Mené sempre me fez pensar muito. Não acredito que ele esteja rindo de sua própria desgraça. Seu Mené chorava por dentro o tempo todo. Não acredito que ele esteja rindo porque viveu como quis e bem entendeu. Seu Mené sempre quis outra vida. Não a que tivera antes. Certas coisas quando vão, não voltam. Seu Mené sonhava com uma vida em que ele pudesse ir e vir sem ter que carregar o corpo com álcool. Estava nos olhos dele. Para mim, Seu Mené sorriu quando viu o Anjo que veio lhe buscar. Deus não se esquece de nenhum de seus filhos. Era chegada a hora de Seu Mené. E toda morte é grande. Há sempre uma mãe que chora a morte do filho bandido morto, uma criança que chora a morte de seu cãozinho, o pai que chora a overdose da filha e eu que não conhecia, de fato, o Seu Mené, mas que velo sua morte. Talvez, eu mesma não tenha sido assertiva com ele. Além de pensar nele e rezar por sua alma, deveria era ter estendido a mão ao Seu Mené, lhe tirado os sapatos e lavado seus pés com fez Jesus com seus discípulos. Não pensem que almejo ser igual a Jesus. E não quero ser santa. Nem ao menos quis ser freira como sonhou para mim a minha avó. Apenas penso que podemos fazer sempre mais pelos outros. Porque é isso que esperamos que façam conosco. Esperamos sempre mais.


















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domingo, 24 de julho de 2011

Desperdício



À um certo Poeta


Perdi-me em águas de tempos
Esquecidos em minha memória
Vivo enrolado em narrativas que
Fazem de mim caçador de almas

Alimento-me delas para seguir
Para destino algum se já me perdi
E há tempos não sei quem sou
Ou para onde devo ir

Repito-me em ações que não
Me deixam enxergar meu eu,
Cavaleiro Templário desfigurado
Sem armadura de fé ou de ferro

Encontro-me apenas em quarto crescente
Quando minh’alma de poeta transborda
E faço de mim maior poeta de todos os tempos
Enquanto o lápis deslizar pelo papel

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domingo, 3 de julho de 2011

Daydreaming



 Manhã de trevas, melhor substituir por manhã de Travis. Enquanto eu interpreto Amélia, que era mulher de verdade, eles cantam e eu vejo minha vida passar em filme. Será que não existem mais mulheres de verdade? Serei eu a última? Agrada-me o vestir avental? Ou serei louca mesmo por bancar a heroína e ultrapassar meus limites? Não sei. Não sei. Por que tantos mistérios entre céu e terra que fazem da minha filosofia mais barata que uma caixa de fósforos?  Quem sabe o Travis possa me ajudar a elaborar minha filosofia de fogão. Eu acredito em um Deus que não tira os olhos de mim. Eu que escapo d’Ele, vez por outra. Mesmo assim, o carro novo do meu vizinho não me desperta inveja. Sei ser paciente. Paciente de doutor inglês. Como todos, só quero viver em harmonia com o mundo, com aqueles que me cercam e com aqueles a quem eu cerco. Sairemos daqui todos para o mesmo lugar. Não há saída alternativa em um círculo.  Eles seguem, eu sigo. Uma música, outra música. Uma tarefa, outra tarefa. Chove lá fora – Espera! Isso é outra canção... E eu não sei se essa nuvem me acompanha porque menti aos 17. Ainda minto. Vai ver, por isso, ela não me larga. No problem! Adoro sombrinhas. Tenho tantas quantos pares de sapatos ou batons, meus acessórios preferidos. Dependendo da estação, uma amarela, que o Quintana não me ouça; uma cheia de corações vermelhos; uma quadriculada de azul; uma toda colorida e uma cor de rosa, para os meus dias de patricinha. Há, tem ainda uma preta para os dias de luto ou de mal humor. Humor rima com amor que rima com dor que rima com calor que rima com torpor. Mas que, também, rima com sonhador que rima com cor que rima com sabor que rima com flor. O segredo é, antes de fazer qualquer coisa por amor, se perguntar se é isso que te cabe e não ao outro. Sem esquecer que toda flor na janela carrega toda a essência da Poesia. 

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