sexta-feira, 18 de março de 2011

Eu que lavava flores



Uma traça na parede do consultório da minha dentista. Relâmpago. Estico a mão e alivio meu incômodo psicótico. Tenho problemas com traças. Não deixo sequer uma pendurada em parede alguma. Nem em minha casa, nem em lugar nenhum. Minha dentista me olha com um semblante furioso. Parecia saber que usei minha psicose com traças para correr daquela cadeira em que, embora deitado, não se consegue relax. Há planos que mudam sem aviso prévio. Senhor Tempo decidiu, decidido está. Por quase duas horas, agonizo de boca escancarada sentindo o peso da mão daquela mulher. Saio de lá com a boca tão torta que não consigo comer minha torta preferida. Cheesecake de frutas vermelhas. Antes, eu preferia as tortas de maçã. Não sei, ao certo, por quê. Nunca fui americana do norte, nem ao menos estive nos Estados Unidos. Antes, tudo era diferente. Inocente eu era, gostava de andar no carrossel, tinha um cofre cheio de moedas, comia sem sentir fome, me empanturrava de jujubas e meus dentes não sofriam com cáries. Antes virou agora. Inocente desvirginada, os carrosséis me deixam tonta, tenho contas sem pagar, sinto fome toda hora, sofro de hipoglicemia e carrego um dente esburacado. Alias, dente é o que não me falta. Não devo ser digna de confiança. Ultrapasso os 32. Mais dois dentes estão surgindo em minha fóvea sublingual. Um de cada lado. Abstraio. Deixo o estresse para o momento de resolver o problema. Suspiro. Respiro. Sigo. Penso. Eu que lavava flores no jardim de minha avó era feliz e sabia.  


Image by germaine-en-tongs on Deviantart