sábado, 4 de junho de 2011

Ergométrica


As marcas do tempo se misturam com as do sol no rosto queimado de Ergométrica. Outro dia a mais em seu calendário interminável, ela acorda às cinco da manhã. Milho para as galinhas e café para os filhos que ainda estão em casa. As crianças, a caminho da escola, hora de correr para o tanque. É preciso lavar as roupas das madames. Enquanto as roupas quaram, Ergométrica corre para a cozinha. Quando os meninos chegam da escola, estão morrendo de fome, ainda. Roupas no varal, tem casa para varrer, banheiro para lavar, cozinha para arrumar. Depois de forrar o bucho dos meninos com feijão e farinha, Ergométrica começa a preparar os salgados para vender em frente à escola aonde os meninos estudam. Ela sai de casa às duas e meia e volta por volta das quatro da tarde. Os meninos não a ajudam e continuam morrendo de fome. Vez de pôr o jantar. Salgados que sobraram e café. Esta noite, Ergométrica tem pressa. Vai à missa de sétimo dia de seu filho mais velho. Atiraram nele lá perto da maré. Fôra confundido com Josa, avião que virara incansável consumidor de peda.

- “Menino tão bom, meu filho. Pai de família. Homem trabalhador.”

O filho mais velho de Ergométrica cortava e vendia lenha para fogueiras de São João. A lenha está toda lá, cortadinha e empilhadinha. O filho mais velho de Ergométrica também trabalhava com cavalos. Eles estão todos lá no terreno vizinho a casa em que morava. Assim como com a lenha, não se sabe o que será feito deles. Nem dos filhotinhos de sua cadela de estimação. Ainda tem as galinhas que ele criava como a sua mãe. O que a Sorte reserva para eles, é desconhecido. Ergométrica quer vender a casa em que vive com os outros filhos. Ela quer se mudar para longe da maré. Seu coração já não aguenta tanta dor. O marido já se fôra, agora o filho mais velho. Ergométrica parece perdida no tempo e parece não mais reconhecer sua função no mundo. Não suporta a idéia de não mais ver o marido e o filho. Foi à missa de sétimo dia porque é de praxe. Conforte-se com ele em seu coração, disse-lhe. 

- “Acontece que não vou vê-lo mais nesta vida, minha filha. E quem me garante que ele estará lá nessa tal outra vida?"

Emudecida, apenas fitei, de Ergométrica, o rosto queimado onde as marcas do tempo se misturam com as do sol.


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