domingo, 31 de outubro de 2010

Des(no)velo




Lançada a semente,
lavra o escritor o fruto.

tecido amor
amortecido
a morte
cido
amor tecido
para amparar
a queda


À Letícia Palmeira


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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Writing to Juliet





Amen.

Dear Juliet, a friend of mine taught me how to start letters in an unconventional way, let me say like this. It means that the first step of the writer of the letter is to show the one it is addressed to what is the most import thing that is being said. Starting with amen I declare my vocal signature. These are my thoughts and I believe them.

It’s almost midnight of a mid day. I slept and woke up already. Maybe I’m a little bit early for work. Maybe I should go back to bed but I’m really afraid of facing the inscriptions of the walls in my bedroom. Since that day a thought has crossed my mind every night I go to bed. I’ve been fighting with my body to get some sleep. I quit the pills. Now I have to pay the price. It’s been harder these days I found out people do not love each other.

Why is it so hard to feel and share some love? Real Love as John Lennon sang. Don’t need to be alone. No need to be alone. People don’t need to be alone. But they are. They don’t want to be alone but they are. Yes, they are. Most of the times, they don’t even realize it. They just go on living – by living I mean running against time - and spreading people apart. It makes me feel sad. It really does.

You know, I was not the kind of child that saw the world as The House of Happy People. People were also sad when I was a child. I was sad. My mum was sad and so were my brothers. But I was happy too. Especially because I could not see the reason why people are so sad. Now I see it. People do not love people. They like people. They like the ones who fit their needs. I have my own needs. Don’t you see it?

This morning I saw someone trying to kill somebody. Lots of people did not care. They just wanted to be part of that festival. That’s the world we’re living in. This is when I feel relieved for not having children. At least I won’t leave anybody the legacy of my human essence. Someone has also mentioned something like that. Nothing left to do. This is how the world makes me feel now.

Juliet, can you give me some advice? No… Advices are not good… Can you tell me the secret of your love? It is still alive. It is still a model for lovers. Although I’d never kill myself for love. I’d rather live for it.

Anyway, I hope you feel better than me and I hope you still can see clouds made of cotton.

All my loving (I still have some),

Linda.





sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Gota que transborda copo




A cigana não leu o meu destino. Nem pudera. Ao contrário dos gregos, creio em um só Deus. Sou católico apostólico romano brasileiro e membro do Apostolado do Sagrado Coração de Jesus. Vou à missa toda primeira sexta-feira do mês. Católicos não acreditam em destino pré-moldado. Deus nos deu o livre-arbítrio, faço o que quiser da minha vida. Muito bom para ser tão simples assim. Ando rodeado de abutres que parecem anunciar minha morte prematura. Um moço assim tão jovem como eu não pode morrer agora. Não por nada especial, não. Vivo só. Só com o meu Deus, só com o meu cachorro, só com o meu trabalho, só com a doença da minha mãe, só com minha sobrinha fugitiva, só com os problemas do meu irmão, só com o único livro que tenho, só com o meu remédio, só com a mulher da noite. Outro dia, roubaram algo valioso no escritório em que trabalho. Culpa de quem fica sozinho na sala do escritório no horário do almoço. Querem que eu pague o tal objeto. Não quero pagar. Já gastei dinheiro extra esse mês com a cirurgia de castração do meu cachorro. Não quero outros cachorros. Quero continuar só com ele. Billy Paul é o meu cachorro. – Intervalo para pensar como era bom quando eu era criança. Tinha vários cachorros. Todos caíram do caminhão da mudança quando viemos do interior para a capital. Acho que, por isso, não quero mais cachorros. Só o meu Paul. Billy Paul. – O escritório que fique sem o tal objeto valioso. Já tenho problemas dos outros demais. Estou cansado. Até dispensei a mulher da noite de hoje. Esta noite, vou ficar só. Só comigo e com mais ninguém. 


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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Sempre o Romantismo




A liberdade guiando o povo - Eugene Delacroix


Dentre as várias acepções que existem sobre o termo romantismo, a que mais me interessa é a que relaciona o movimento à renovação, à fuga a modelos pré-estabelecidos. A acepção mais popular do termo, contudo, relaciona-se à expressão do sentimento de amor entre duas pessoas – seja este sentimento correspondido ou não.

O movimento romântico teve sua gênese na esteira das transformações sociais vividas após a revolução francesa. Os românticos acreditavam que os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade defendidos pela revolução destruiriam as velhas estruturas do poder opressivo dos estados monárquicos e absolutistas. Ao verem que a revolução criou apenas outra forma opressiva de poder – desta vez a exploração da classe operária pela burguesia – os artistas românticos entraram numa fase de desilusão, à qual os leva à negação e à fuga da realidade. Um mundo corrupto, opressor e mentiroso não merece ser representado pela arte, sendo assim, o refúgio na subjetividade, no sonho, no devaneio e na infância passa a ser a tônica de muitos dos trabalhos do romantismo. Basta lembrarmos dos versos de Casimiro de Abreu: “Ah que saudade que tenho da aurora da minha vida/Da minha infância querida/Que os anos não trazem mais”.

Um dos bons exemplos da desilusão romântica vem do inglês William Blake que cristaliza dois momentos do romantismo em duas obras. A crença na possibilidade de um mundo renovado e livre da opressão revela-se em Canções da Inocência (Songs of Inocence) e o enfrentamento com uma nova realidade de exploração apresenta-se em Canções da Experiência (Songs of Experience). Certamente é essa crença numa transformação social que gere o fim da dominação de uma classe pela outra que faz o adjetivo “romântico” ser atribuído a todo aquele que é ingênuo o suficiente para acreditar que isso seja possível.

Como afirmei inicialmente, o que mais importa no movimento romântico é a renovação estética que determina o fim de modelos para o fazer poético. A forma revolucionária do romantismo é a liberdade da expressão do sentimento seja ele de amor, de fuga, de revolta, de contestação. Quando digo que sou romântico, estou dizendo que não creio em modelos. Modelos de vida, modelos de enquadramento social, modelos de modelos de modelos. Não sou ingênuo a ponto de acreditar no fim da opressão porque aprendi com os próprios românticos, em especial Blake, que ele não é possível, mas sou romântico o suficiente para crer que o meu “eu” (ou meu mim) deve ser a medida de tudo que existe.

Haja saúde.

José Ferreira Sobrinho - 13/10/2010

sábado, 2 de outubro de 2010

Espelho




Todos os dias quando acordo – alguém já cantou essa canção – não penso em quem sou. Vivo. Mecanicamente a maior parte do tempo. Como, tomo banho, remédio, trabalho, escrevo, faço compras, sexo para alimentar a carne, vou e volto. Entre essas idas e vindas é que há o momento de reflexão. Quem não pensa naquilo que é ou no que faz não está vivo por inteiro. E há que se fazer a diferença entre o que somos e o que fazemos. Não cheguei a conclusão de que nada sou. Eu Sou! Mas engana-se quem pensa que eu sou dona de casa, escritora, professora, puta, orientadora de todas as horas para assuntos extremos. Lavar louça, escrever umas linhas, ensinar o 2 + 2, dar conselhos, são coisas que eu FAÇO. O que eu SOU vai muito mais além de deixar a cozinha limpa, montar um texto ou um poema, ver Pitágoras sorrir, satisfazer o homem em minha cama, dizer as pessoas o melhor passo a seguir. Eu SOU parte integrante da Natureza, amante da lua, do mar e do homem que tenho. Eu SOU luz, fogo, parteira, cantante. Eu SOU o hoje e o amanhã que vai chegar. Eu SOU aquela que ainda guarda conchinhas recolhidas na praia de São José da Coroa Grande. Então, eu vejo que a mecânica faz parte da vida, da matemática que vivo e ensino. Só. Dentro do espelho eu vejo vulcão em erupção na sua mais perfeita atividade de vida. Viva. 


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