sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Chá de todo tempo


Lila e Nina nasceram amigas. Suas mães eram vizinhas. Engravidaram juntas e, juntas, tiveram seus bebês. No mesmo dia e local. No berçário, já se via a ligação entre as meninas. Se uma chorava primeiro, a outra chorava em seguida. Se uma sujava a fralda depois era porque a outra havia sujado antes. Lila e Nina cresceram na mesma sintonia. Estudaram na mesma escola, dividiram o primeiro pacote de absorvente, compartilharam ficantes, cursaram a mesma faculdade, casaram-se no mesmo ano. Obviamente com diferentes maridos. Cada uma criou sua família com o apoio da outra. Há quem diga que uma é, também, responsável pelo bem estar familiar da outra. O tempo correu e, agora, as duas meninas estão com a idade avançada – se é terceira ou quarta, não importa. Lila já não proferi sentenças, Nina não mais leciona. São viúvas. A sintonia entre as duas só estremeceu em um ponto. Nina ficou viúva antes de Lila. Esperaram dois anos para que o estado civil das duas fosse o mesmo. Só então elas se sentiram de volta a infância. Livres como pássaros na floresta. Lila e Nina nunca interromperam a sua amizade. Mas os encontros entre as duas passaram a ser mais escassos depois que elas se casaram. Maridos, filhos, trabalhos, casas, tudo dobrado. Agora, elas estavam soltas na floresta novamente. Toda a tarde elas se reuniam para um chá. Antes, elas dividiam um Concha Y Toro enquanto os maridos tentavam o “Keep Walking”. Com os anos, vinho só em datas especiais. Elas se reuniam todo fim de tarde e falavam de tudo. Fofocavam sobre a vizinhança, ninguém é de ferro, sobre os filhos e netos, os finados maridos. Falavam sobre a situação da mulher na sociedade – passam-se os anos e tudo continua igual! As duas falavam (ainda) de sexo. Estavam vivas, ora! O Sr. Agenor, contou a Lila, só tinha fogo de palha. Na hora H não foi de nada. A Nina ria todas as vezes que se lembrava dessa aventura da amiga. Talvez, porque estivesse de barriga cheia. O Sr. Benevides era mineiro. Comia quieto mas empanturrava a vizinha de trás. Nina não tinha do que reclamar. A Lila ainda tinha esperança. Não com o Sr. Agenor. Começara a descobrir o tio do namorado de sua filha mais velha. Um viúvo mais novo que ela. Idade não a preocupava. Quando se chega a certo ponto, tanto faz 60 ou 70. Esse foi o assunto do último encontro das duas. Era domingo. Nina saiu mais cedo pois iria encontrar o Benê, era assim que ela chamava o Sr. Benevides. Ela foi direto para casa. Ao chegar, nem entrou. Resolveu esperar o Sr. Benevides ali mesmo na calçada tamanha era a sua euforia. Naquele dia eles completavam um ano juntos e sete meses que decidiram jamais propor casamento um ao outro. Sr. Benevides era pontual e, nesse dia, ele não se atrasou. Eram seis horas em ponto quando Nina avistou o seu Benê na esquina. Ela deixa o portão e dá dois passos em direção ao fim da calçada. O seu Benê desaparece na luz que a cega. Um carro, um motorista alcoolizado, um corpo ao chão, um coração despedaçado, uma xícara caída. Lila sabia que perdera a amiga naquele instante. Nunca a vida havia sido tão cruel com ela. Esse foi o momento em que ela se viu, realmente, só. Perdera a única metade que lhe completara. Lila, agora, é só sozinha. Nada mais lhe agrada. Amaldiçoa o tempo, fechou o coração para o amor e diz que quem lhe quer bem não lhe deseja “muitos anos de vida” a cada novo aniversário. Lila sonha morrer mas a morte parece não lhe querer. Enquanto ela não convence Tânatos a levá-la embora, Lila se recusa a deixar de fazer o ritual do chá. Todos os dias, no mesmo horário, Lila serve a amiga uma xícara de chá. 





Image by Kperusita on DeviantArt