sábado, 23 de janeiro de 2010

Amor de poesia

Ela me deu poesia. Eu não li. Não consigo decifrar linhas. Que dirá entrelinhas! Quando não se sabe ler, há sempre um preço a se pagar. Ela parte, fico eu, desfaz-se o nós. Sozinho, vejo de volta um mundo que só agora descubro. Frio, escuro, flores murchas na janela, céu sem arco-íris, pedra que não verte água. No chão, pegadas que não me deixam esquecer uma direção. Linha reta transformada em estrada sinuosa de meu tormento. Não soube ler poesia. Ela inteiro, eu pedaço, partes à parte. Aceito a minha morte por desamor a poesia. Toda poesia é amor. Não se recusa amor.


sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Coisa de Gato



1980 e alguma coisa. Quando eu era criança junto com as minhas irmãs, nosso passatempo preferido era nos imaginar nos anos 2000. Em nossos espelhos nos víamos sempre felizes, casadas e cheias de filhos. Igual a nossa mãe e tias. Na época, eu não tinha idéia do que isso representava. Só hoje me dei conta de que estávamos projetando para nós o mesmo futuro da mãe e tias que tínhamos. Estereótipos da “mulher perfeita”. Casa, marido e filhos para cuidar. Não fosse o Tempo a nos mostrar que podemos vestir fantasias diferentes a cada vez que olhamos em um espelho, pobre de nós!

2000 e alguma coisa. Chegamos aqui. Não somos mais crianças. Percebo que aprendemos algumas coisas ao nos vermos no espelho em tantas formas diferentes. Aprendemos coisas diferentes também. Uma de minhas irmãs é que não aprendeu muita coisa. Vive numa realidade alternativa só dela e de meia dúzia de pessoas que ela chama de amigos. Não somos “mulheres perfeitas”. Talvez, porque não temos os maridos perfeitos. Três estão casadas mas só uma tem filhos. Apenas dois. Minha mãe não tem tantos netos quanto tinha a minha avó. Nem minhas tias. Aprendemos que quanto menos filhos melhor e que mulher vive sem marido. Não tenho filhos. “E não sei mais se é só questão de sorte”.* O que vejo é que os anos esperados nos tiraram muito mais coisas que conseguimos prever...

* Renato Russo em: L’Âge D’Or





Foto de acervo particular.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Concreto sofrimento



Pedra. Vinda de uma combinação de minerais inunda o meu corpo modificando o meu ser. Estou. Presente do indicativo – apresento transitoriamente certa condição ou qualidade. Sofro. Sou humano. Nasci chorando. Expulso pelo encontro meu e de minha mãe com o limite tive que sair do lugar que acreditava ser meu universo permanente. Aperto. Passo espremido e mal consigo enxergar o novo mundo. Perda. Primeira a carregar no bolso. Choro. Ando. Antes, me arrebento todo até acertar o passo. Lágrimas todas as vezes que recebo um não. Suo. Frio que congela a espinha e arregala olhos e ouvidos. Não entendo. Não durmo. Você grita na sala. Fujo. Procuro a liberdade de que ouvi falar. Esconderijo. Perda. Ainda. Vivo a dor de temer fitar teus olhos outra vez. Cresço. Roda viva de conflitos. Continuo sofrendo. Encontro. Liberdade e desejo. Mas desejo é ausência. Ausência é sofrimento. Luto. Perdas se acumulam. Descubro que a batalha é, também, perdida após guerras travadas. Morro. Desço abismos mais profundos. Perco inclusive a mim. No escuro é mais difícil enxergar a luz. Olho. Agora, procuro teu rosto que não mais me fita. Fitas coloridas. Sonho. Há flores no jardim que você deixou. Renasço. Ainda há vida dentro e fora de mim. Viajo. Trago bagagem que me cabe carregar. Pedra. Sou. Indicativo de presente – essência de mim. A combinação de minerais modificou meu ser. Biogênica estrutura erguida em dor. Dor sofrida, estudada, aprendida, vivida dentro do limite que me fez nascer e que me fará morrer.



Image by CatchMe-22 On DeviantArt




sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Pintura de porcelana




"O homem está condenado a ser livre"
Jean-Paul Sartre




Há quem diga que poeta não sou
- Que eu não o seja!
Minha poesia diz
Coisa que não é para ser dita
Não é redonda
Não é classicamente medida
Não é vanguardista
O drama encenado
É de gosto meu
A tragédia, de vida que vejo
Se sou poeta ou
Poeta não sou
Não deve ser
Questão a se considerar
Talvez, eu não o seja mesmo
Não chegam a mim
Com bordolatria
Meus moinhos
Não se transformam
Meus deuses
Têm nomes de gente
A Professora classificou
O poeta como alguém
Nem triste, nem alegre
Eu sou alguém
Sou alegre, sou triste
Não sou poeta!
Sou graduada em marginalidade
Desconstruo a linguagem
Faço dela o caos mayor
Eu já era livre antes do filósofo
Quer saber o que faço, leitor?
Não escrevo para você
Você é desnecessário ao meu texto
Lamento!
Meu texto vale por si só
O mar é meu
E faço poesia porque
Uso cifras e códigos
Faço arte enquanto
“Toda arte é inútil”
Eu ganho um Oscar
Pinto um retrato
Continuo escrevendo
E namorando o papel
Quer me chamar de outra coisa?
Quem sabe a-poeta?
- Que importa?
Que importa como me chamem
Que importa o que faça
Estou apenas tomando
Uma taça de vinho para relaxar
Cheers!



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