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Image by CatchMe-22 On DeviantArt
Ao reinventar minha vida, tudo igual. Um pouco mais de ervas aqui e ali e só. Com uma caixa de lápis nas mãos, pinto o arco-íris que quiser.
Eu era
a criança que você amamentou
Eu era
os primeiros passos para os teus braços
Eu era
a escola da tia Hélia
Eu era
a língua que cantava outras vozes
Eu era
a namoradinha de sempre
Eu era
o catar de conchinhas na praia
Eu era
a mãe do filho que não gerei
Eu era
noites sem dormidas
Eu era
hebreu em busca de liberdade
Eu era
a voz que calou
Eu era
a menarca atrasada
Eu era
a matemática de conta inexata
Eu era
a física de circuito fechado
Eu era
a química de explosões
Eu era
sonho acordado
Eu era
sonho dormido
Eu era
sonho que cabia nas mãos
Eu era
todo alfabeto
Eu era
amor encontrado
Eu era
luz em fim de túnel
Eu era
amiga de relógio sem ponteiro
Eu era
flor de jardim
Eu era
jardim sem flor
Eu era
árvore sem fruto
Eu era
cesta de frutas
Eu era
livro de cabeceira
Eu era
sol entrando pela janela
Eu era
luz da lua no mar
Eu era
o encontro ao chão
Eu era
escada magirus
Eu era
poltrona de nuvem
Eu era
solo Mayor
Eu era
vida que sai do choro
Eu era
funeral sem corpo
Eu era
corpo e funeral
Eu era
volta
Eu era
espera
Eu era
chegada
Eu era
Edouard Glissant lá da Martinica
Eu era
o sexo que você desejava
Eu era
nós
Eu era
você
Eu era
eu
Eu era
o que já não sou mais
Assumo
o princípio da exotopia
A cada instante
uma peça nova no Mosaico
Vivo o novo de cada dia
E feliz
Sou
Image by Yvimae457 on Deviant Art
“Sei que é nos sonhos que os jardins existem, antes mesmo de existirem do lado de fora.”
Rubem Alves in: Jardins
Hoje eu sou mais Eu. Um Eu mais inteiro em busca da minha completude infinita. Chove desde ontem – por Deus comprei uma sombrinha, finalmente. Acordei cedo mas não fui trabalhar. A água inundou a cidade. A Senhora do Tempo havia avisado: “Chove durante todo o fim de semana”. Precipitações de todas as formas e cores: chuva orográfica, de convecção, frontal, ácida. A chuva é como uma faca de dois gumes. Ora, lava e leva tudo que encontra pelo caminho. Ora, lava e faz nascer. “Dia de chuva”, falava a minha avó, “é um bom dia para se preparar um jardim para nascer”. Claro! Na busca pela minha completude infinita, estão os jardins. Quero sempre jardins novos. Jardins maiores. Jardins floridos. Jardins de mim. Arregaço as mangas e corro para a terra. Semente acariciada e colocada no ventre de jardins. Chuva, agora, líquido amniótico que alimenta sonhos e sementes. Espero meu jardim crescer e florescer aqui fora. Embora ele já exista em meus sonhos... Margaridas, Rosas, Orquídeas cheias de Nove horas, Angélicas, Gardênias, Girassóis, Chuvas de prata em Copos de leite, Narcisos, Flores - de - lis, Hortênsias, Bonsais também, Marias - sem - vergonha, Tulipas de vinho doce, Flores tropicais, Magnólias, Crisântemos, Flor de princesa, Flor de botãozinho, Espadas de São Jorge para as lutas, Açucenas, Violetas, Jasmins, Flores de lótus, Dálias, Papoulas, Amores perfeitos, flores para homenagear aos que chegam e dar adeus aos que partem. Flores para mim! Flores para que eu veja sempre um poema aonde quer que eu olhe.