sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Concreto sofrimento



Pedra. Vinda de uma combinação de minerais inunda o meu corpo modificando o meu ser. Estou. Presente do indicativo – apresento transitoriamente certa condição ou qualidade. Sofro. Sou humano. Nasci chorando. Expulso pelo encontro meu e de minha mãe com o limite tive que sair do lugar que acreditava ser meu universo permanente. Aperto. Passo espremido e mal consigo enxergar o novo mundo. Perda. Primeira a carregar no bolso. Choro. Ando. Antes, me arrebento todo até acertar o passo. Lágrimas todas as vezes que recebo um não. Suo. Frio que congela a espinha e arregala olhos e ouvidos. Não entendo. Não durmo. Você grita na sala. Fujo. Procuro a liberdade de que ouvi falar. Esconderijo. Perda. Ainda. Vivo a dor de temer fitar teus olhos outra vez. Cresço. Roda viva de conflitos. Continuo sofrendo. Encontro. Liberdade e desejo. Mas desejo é ausência. Ausência é sofrimento. Luto. Perdas se acumulam. Descubro que a batalha é, também, perdida após guerras travadas. Morro. Desço abismos mais profundos. Perco inclusive a mim. No escuro é mais difícil enxergar a luz. Olho. Agora, procuro teu rosto que não mais me fita. Fitas coloridas. Sonho. Há flores no jardim que você deixou. Renasço. Ainda há vida dentro e fora de mim. Viajo. Trago bagagem que me cabe carregar. Pedra. Sou. Indicativo de presente – essência de mim. A combinação de minerais modificou meu ser. Biogênica estrutura erguida em dor. Dor sofrida, estudada, aprendida, vivida dentro do limite que me fez nascer e que me fará morrer.



Image by CatchMe-22 On DeviantArt




sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Pintura de porcelana




"O homem está condenado a ser livre"
Jean-Paul Sartre




Há quem diga que poeta não sou
- Que eu não o seja!
Minha poesia diz
Coisa que não é para ser dita
Não é redonda
Não é classicamente medida
Não é vanguardista
O drama encenado
É de gosto meu
A tragédia, de vida que vejo
Se sou poeta ou
Poeta não sou
Não deve ser
Questão a se considerar
Talvez, eu não o seja mesmo
Não chegam a mim
Com bordolatria
Meus moinhos
Não se transformam
Meus deuses
Têm nomes de gente
A Professora classificou
O poeta como alguém
Nem triste, nem alegre
Eu sou alguém
Sou alegre, sou triste
Não sou poeta!
Sou graduada em marginalidade
Desconstruo a linguagem
Faço dela o caos mayor
Eu já era livre antes do filósofo
Quer saber o que faço, leitor?
Não escrevo para você
Você é desnecessário ao meu texto
Lamento!
Meu texto vale por si só
O mar é meu
E faço poesia porque
Uso cifras e códigos
Faço arte enquanto
“Toda arte é inútil”
Eu ganho um Oscar
Pinto um retrato
Continuo escrevendo
E namorando o papel
Quer me chamar de outra coisa?
Quem sabe a-poeta?
- Que importa?
Que importa como me chamem
Que importa o que faça
Estou apenas tomando
Uma taça de vinho para relaxar
Cheers!



Image by SpeciousNihilium on DeviantArt

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Raimundo Mudo

"It's something unpredictable
but in the end it's right
I hope you had the time of your life"

Billy Joe in: Time of you life


Raimundo é mudo. Não sabe falar. Mas Raimundo sente. Sente a força do homem contra si. Sente a força de Hélio invadir o seu corpo desprotegido. O combustível queimado de todas as horas se transforma em sangue derramado pela ferida aberta em sua pele. Raimundo sente. Sente água subindo pelos seus pés enquanto rio perde suas lágrimas. Raimundo tem dor. Tem queimaduras profundas. Queimam sua carne em viva brasa. Dói. Dói em Raimundo que está faminto. Gente egoísta não divide comida. Estraga. Raimundo chora. Chora sufocado. Chora enlatado. Chora plastificado. Chora bestificado. Chora modificado. Raimundo continua chorando. Chorando inundações. Chorando maus tratos. Chorando por aqueles que não sabem pensar e pensam melhor que quem diz que pensa. Raimundo cansa. Raimundo se revolta. Raimundo tem nome de santo e santo não é. Raimundo só quer vida e revida. Raimundo não sabe falar. Raimundo é mudo. Surpresa é que Raimundo tem voz. Raimundo não fala língua de povo mas Raimundo tem voz. Raimundo não fala. Raimundo diz! Raimundo diz que mundo é meu, seu, dele, nosso. Mundo é de Raimundo! Raimundo que não sabe falar, grita. Grita! Raimundo estende os braços enquanto você passa e não olha.





Image by Luciole on Deviantart

domingo, 1 de novembro de 2009

Aforismo de nós dois


Gosto de sal na boca, sorriso de flor-de-lis, acordo pensando em você. Águas correm pelas margens que nos separam, nada é como antes. Não penso sempre em você. Não esqueço você todo o tempo. Ao me ver no espelho, vejo o mundo dentro de outros mundos. Meu mundo. Seu mundo. Mundo de nós dois. Meu e seu. Impenetrável. Pensar nisso faz de mim personagem de clássico literário. Personagem da verdade que se esconde. Segredo. Mentira, não. A mentira é a negação da verdade. Nós temos verdade. A nossa história existiu. Existe. É verdade que pertence a mim e a você e ao livro que escrevemos e não publicamos. Melhor assim. Meu personagem ganha um ar mais misterioso, ardiloso. Você veste personagem de Cary Grant. Nada mais clássico que “An affair to remember”. De livro a filme, a vida e ao que ficou. Ao que fez de nós quem somos. Vivemos o amor em sua forma mais plena. Amor que é estado de graça e de graça dado. Uma noite sob céu de estrelas de sol que levanta tarde. Não fizemos planos mas esperamos pelo encontro em que, enfim, poderíamos sentir sem medo ou culpa o que antes só era sentido por descuido de mãos teimosas ou por fingirmos esquecer o limite de separação que devíamos preservar. Era tarde, cidade vazia, corpos esquecidos. Um toque, você surge. Não sei se por Destino que se segue ou que se toma para si. Eu esperava. Poucas palavras. Corações querendo acalento. Canto sacrossanto. Limites rompidos, eu já estava em seus braços quando o telefone tocou. Queria me lembrar que em outro livro não era eu a personagem central do romance sem classe em cartaz. Não me importava. Você também não era personagem central do triangulo que me cercava. Você não se importou. Sozinhos, um mundo passara a ser nosso. Não vivemos um capítulo mas escrevemos um livro. Livro de nós dois. Palavras que me penetravam, memórias que eram cravadas em nós dois. O novelo que nos envolveu veio do fio de Ariadne. Fio que não se rompe. Éramos nós dois, de nós dois. Consumados em pecado, a felicidade se revela em três enquanto somos um. O sol já chama a lua, deixamos a cena. Mesmo tendo que preservar limites outra vez, estamos juntos. Vejo em seus olhos, no seu sorriso e em suas palavras de respostas imediatas. Sim. Ainda te chamo. Ainda me chamas. Ainda nos chamamos. Hermes chamamos. E nos atendemos. E compartilhamos nosso mundo em silêncio. Silêncio de nós dois. Silêncio que fala em forma de poesia. Você disse, eu aceito. Sou tua alma, você o meu poema.


E poesia se encontra
Em quem vê o mundo pelas janelas da alma





Image by Pesare on Deviantart

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Salmantina en la ventana




A casa de Marina
Está vazia
A sua alma não
Ela transborda
O sentimento de
Um mundo renovado
Com janelas imensas
E abertas para o Amor
O Amor que vem
De dentro de outra alma
Tão pura e inocente
Que faz a alma de Marina
Igualmente  pura e inocente
Um encontro de almas assim
Faz o céu beijar o mar
E Marina querer te esperar
Outra vez



Image by Dejichan on DeviantArt

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

A maior flor do mundo

Nada como ver um bom filme com outros olhos. Olhos de fome que quer ser saciada. A Mona Lisa sorriu e vi que eu é que não estava feliz. Estou sem nome. Sem nome porque perdi minha identidade quando lavei a roupa suja de casa. Que importa um nome? Um nome é apenas um código. Já falei isso e alguém não gostou. As pessoas pensam que são nomes. Sobrenomes, então, devem ser compridos e compostos. As pessoas são mais pessoas assim. Eu não sou essas coisas. Podia ser qualquer uma. Qualquer uma como tantas. A diferença é que eu escrevo. Escrevo quando tenho raiva. Cravo minhas letras nas paredes do meu quarto só para não esquecer cada detalhe que me faz ser quem sou. Escrevo com unhas e dentes. Escrevo enquanto limpo o fogão. Escrevo enquanto jogo o prato de comida azeda que o meu marido me fez pôr para ele e não comeu. Escrevo enquanto limpo o cocô do cachorro. Escrevo enquanto passo a roupa que não uso. Escrevo. Penso. Enxugo o sangue nas pontas dos meus dedos. Resolvo. Resolvo que não estamos mais em 1954. Por que a foto é a mesma? Mundo-muda-não. Vou rasgar a foto. Tirarei uma foto pós-futurista. Uma foto em que eu, Mulher que sou, possa me movimentar livremente enquanto o fotografo captura a minha imagem. Já existem câmeras assim. Elas captam o movimento da imagem sem estragar a foto. Não preciso ficar parada para sair bem na foto. Vou correr. Saltar. Gritar. Minha terapeuta confirmou. Não sou dona de casa. Dane-se o mundo. Eu sou Flor. A maior flor do mundo, diferentemente de sua prima Seringueira, é um parasita, exala cheiro de carne podre mas tem a sua serventia.




Imagem da Internet

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Azul de Metileno




Linha do Equador, 12 horas de luz, 12 horas de escuridão, Equinócio de primavera. Equilíbrio não é apenas fonte de sobrevivência mas de vida viva. Dizer que ela era bizarra, soaria como dizer que o céu é azul ou que a lagarta da Costa Rica vira borboleta para viver apenas dois dias. Adélia vivia em seu próprio canto. Dentro de uma cápsula que ela transportava com ela aonde quer que fosse. Há tempos em que o calendário não conta, arranjou um outro artifício para afugentar pessoas ao seu redor. É isso que essa menina melhor faz. Comprou várias camisas de cores variadas com a mesma inscrição. Era o seu mais do mesmo. Já era perturbador se dirigir ou sequer olhar para aquela criatura. Mais difícil ficou ao darmos de cara com ela vestindo camisa que dizia: “DON’T LOOK AT ME”. Era instantâneo. Você virava os olhos antes mesmo que seu cérebro conseguisse decifrar a mensagem. Adélia seguia, então, sozinha. Tal inscrição dizia mais do que dizia. Aquelas palavras pareciam mais uma advertência. “Tire os olhos de mim”. E assim, estava feito. Deixávamos de lhe dirigir um “Bom dia” ou um simples sorriso que diz “Você pertence ao mesmo lugar que eu. Convivamos em paz”. A áurea que cercava Adélia passou a ser ainda mais escura depois que ela começou a usar aquelas camisas – verdade que a maioria era de cor escura. Triste fico ao ver uma menina tão jovem - seja clichê ou coisa de gente que está ficando velha - se recusar a ver o colorido que o mundo traz. Falta-lhe sonhar mais. Falta-lhe buscar a flor de Narciso que dorme no fundo das águas que não correm por dentro dela. Falta-lhe acreditar que a dor de amor é dor boa de doer. Falta-lhe chorar pelo que não volta. Falta-lhe sorrir para o que se abre. Enfim, falta-lhe nascer outra vez ainda neste mundo.













sábado, 5 de setembro de 2009

Texto-livro




Era uma vez a história de mim mesmo e de certo presente que ganhara durante a minha infância – não sabia eu, ainda por ter a sua pureza e tranquilidade interrompidas prematuramente.

Estávamos no quintal de casa, minhas irmãs e eu, debaixo do meu pé de jambo. Meu porque tomara conta dele desde que nos mudamos para a casa que pertencera a minha avó “Miolanda”. Era na copa daquele pé de jambo que eu costumava me esconder quando alguma coisa me entristecia ou me enfurecia. Curioso era que lá eu acreditava estar a salvo. Meu esconderijo secreto. Na verdade, esconderijo, aquele lugar só fora na primeira vez que me escondi lá. Logo me descobriram ali. Mesmo assim, eu subia lá nos momentos em que eu procurava refúgio. A copa daquela árvore era meu refúgio sagrado. Do alto de meus nove ou dez anos, eu já fazia as minhas reflexões.

Bem, estávamos debaixo do meu pé de jambo – Ah! Ainda hoje sinto uma saudade danada de boa quando vejo um jambo ou um jambeiro. Comer um jambo, então, é como estar lá em cima outra vez. Meu pai se aproxima. Meu pai... Figura indecifrável para mim naquela época. Ele já se foi. Não penso mais tanto nele. Absolvi-me da culpa que nunca tive e procuro aceitar o que chamam Destino. Ele teve o dele, eu sigo o meu. Meu pai... Talvez, tenha sido esse o único momento realmente feliz e livre de qualquer sentimento negativo que ele me obrigara a sentir com relação a ele. Meu pai trazia nas mãos uma caixa. Não era uma caixa bonita, colorida, com laço de fita de cetim. Era uma caixa comum, de papelão. Podia ser uma caixa de um leite qualquer ou de biscoito maisena. Daquelas que levam os produtos para o supermercado. Na hora, não pensei em nada. A caixa estava aberta e dava pra ver o que havia dentro dela. Não importava coisa alguma do lado de fora da caixa. Apenas o que ela trazia. Era um filhotinho de cachorro. A coisa mais mágica que vi até aquele momento de minha vida. Ele era todo branquinho. Só tinha o focinho e os olhos pretos. Se ele saísse rolando seria confundido com um grande chumaço de algodão.

Não sei por que cargas d’água meu pai cismou em dar nome aquele cachorro. Era bem característico dele isso. Tudo o que ele fazia implicava em uma condição. Nos trouxe um presente que não lembro termos pedido – sendo o filho mais velho, eu haveria de me lembrar disso. Todas as crianças que conheço, pedem por um animalzinho de estimação aos seus pais. Se pedi, não lembro. Sei que o presente chegou. Era um filhote de cão vagabundo. Assim como a caixa que o trazia. "Sem raça definida" – assim passaram a chamar os vira-latas. Branquinho, branquinho. E meu pai insistiu em chamá-lo de Black. Certamente, ele não sabia inglês, penso eu. Porém, eu, logo descobriria que “black” não era branco e que Black não era preto. Essa, talvez, tenha sido a minha descoberta mais besta. Que importava isso? Conheço uma Jéssica que se chama “Géssica”! Será que Géssica tem a sua identidade abalada pela troca do J pelo G? Black correndo de um lado para o outro nem suspeitava da querela que o envolvia. Entendia que se chama Black. Era só chamar. Ele vinha correndo.

Essa questão não durou muito na minha cabeça. E nem poderia! As brincadeiras com Black me fizeram esquecer de qualquer coisa que me desagradava. Até o meu pé de jambo ficou sem uso. A não ser pelos jambos que eu continuei comendo. Não sei quantos anos Black completou comigo. Embora aquele tempo parecesse infinito, sei que foram poucos. Assim como que de repente, um terremoto abalou a minha casa. Abriu-se um enorme buraco no chão. Meu pai desandara de vez a perder os sentidos entornando copos e copos com aquela água de cheiro forte e gosto amargo. Ele usava sempre limão nesses momentos e ouvia Roberto Carlos em altíssimo e bom som. Fiquei um tempo sem poder sentir o cheiro ou ver um limão. Quanto ao Roberto, ainda estou tentando me reaproximar dele. Não dava mais para a minha mãe. Nem para mim. Eu tinha um irmãozinho pequeno. Minhas irmãs já não queriam mais voltar para casa quando saiam para a casa da minha outra avó. Eu tinha que voltar. Eu tinha a minha mãe, um irmãozinho e um cachorro. Mas depois daquele terremoto, tivemos que sair correndo de lá. O cachorro ficou. O lugar que serviria de abrigo para mim, minha mãe, meu irmãozinho e minhas irmãs, mal comportava a todos nós. Fui obrigado a esquecer o cachorro.

Um dia voltei. O terremoto tinha levado muita coisa. O pé de jambo ainda estava lá mas sem jambos. O cachorro era outro. Quis me morder quando me aproximei. De coração infantil despedaçado, pensei que era melhor esquecer o terremoto, o pé de jambo, meu pai e o cachorro. Continuei seguindo meu Destino que passara a ter uma estrada tortuosa. Algum tempo, não sei quanto - havia esquecido dos dias e noites. Era tudo igual agora - encontrei um cachorro branco na rua. Estava diferente daquele que quis me morder. Estava mais magro, sujo e estava gentil. Não Black mas o nome Brown era que lhe caberia naquele dia. Ele nos seguiu até o nosso novo abrigo. Mas não podíamos ficar com ele. Já éramos seis lá. Não havia lugar para um cachorro. Por isso, fingíamos não conhecer aquele cachorro. Minha mãe disse ser melhor assim. E eu fingia. Não pensava. Só fingia. E esquecia toda a alegria que aquele cachorro me trouxera. Seguimos assim. O cachorro nos seguia e nós o ignorávamos. Mais um dia, dois dias, três dias, o cachorro desapareceu. Tudo resolvido. Vai ver ele seguiu seu Destino.

Eu não precisava mais fingir que não conhecia o cachorro. Ele não mais poderia servir de ponte que nos levaria de volta ao meu pai. O meu Destino, cada vez mais, de estrada tortuosa me faz seguir. Eu cresço. Passo a sentir falta do meu cachorro. Que diabos ele tinha que ver com aquele terremoto? Tomara que exista mesmo o céu dos cachorros. Sei que ele já se foi. Talvez esteja com o meu pai. Quando eu me for, quero ir para lá, também. Preciso pedir perdão ao meu Black. Dessa culpa que não tive, não consegui me absolver. Espero te abraçar de novo, amigão!

Era uma vez a história de como me perdi de meu cachorro. Me chamam Álvaro. Eu tinha um cachorro branco que se chamava Black.



Image by Lundern on Deviant Art

sábado, 29 de agosto de 2009

Poesia não sabe ler calendário



Torto tempo
Tempo torto
Sabia que você viria
Não sabia que partirias tão brevemente
Finda-se a Primavera em mim
Ainda que permaneçam
As cores da estação
Um olhar para dentro de Mim
Você ainda está lá
Renova-se a vida e
Toda a Poesia que há nela
Sorte minha!
Poesia não sabe ler calendário



Image by *ploop26 On Deviant Art

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Paisagens no espelho


Eu era

a criança que você amamentou

Eu era

os primeiros passos para os teus braços

Eu era

a escola da tia Hélia

Eu era

a língua que cantava outras vozes

Eu era

a namoradinha de sempre

Eu era

o catar de conchinhas na praia

Eu era

a mãe do filho que não gerei

Eu era

noites sem dormidas

Eu era

hebreu em busca de liberdade

Eu era

a voz que calou

Eu era

a menarca atrasada

Eu era

a matemática de conta inexata

Eu era

a física de circuito fechado

Eu era

a química de explosões

Eu era

sonho acordado

Eu era

sonho dormido

Eu era

sonho que cabia nas mãos

Eu era

todo alfabeto

Eu era

amor encontrado

Eu era

luz em fim de túnel

Eu era

amiga de relógio sem ponteiro

Eu era

flor de jardim

Eu era

jardim sem flor

Eu era

árvore sem fruto

Eu era

cesta de frutas

Eu era

livro de cabeceira

Eu era

sol entrando pela janela

Eu era

luz da lua no mar

Eu era

o encontro ao chão

Eu era

escada magirus

Eu era

poltrona de nuvem

Eu era

solo Mayor

Eu era

vida que sai do choro

Eu era

funeral sem corpo

Eu era

corpo e funeral

Eu era

volta

Eu era

espera

Eu era

chegada

Eu era

Edouard Glissant lá da Martinica

Eu era

o sexo que você desejava

Eu era

nós

Eu era

você

Eu era

eu

Eu era

o que já não sou mais

Assumo

o princípio da exotopia

A cada instante

uma peça nova no Mosaico

Vivo o novo de cada dia

E feliz

Sou




Image by Yvimae457 on Deviant Art

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

So, não soul



Na terceira margem do rio

A personagem fala de seu pai

Diz que era sério

Nunca terei filhos para que digam o que era o seu pai...

Mas também eu não estaria vivo para ouvi-los dizer

Como seu pai (há rio no) suas vidas...



José Ferreira Sobrinho – 07/08/09

sábado, 1 de agosto de 2009

A quem parte estando o escritor cruzando as mãos


Estou te deixando partir
Antes que chegues
Escolho dizer não
Livro ainda por escrever
Deixo-te livre
Através da liberdade
De quem pode escolher
Perdão por não mais querer-te





Image on DeviantArt

domingo, 26 de julho de 2009

Comsommé au vin

"I’ll live as I choose
Or I will not live at all."*






Maria de nome. Podia mesmo ser qualquer uma. Porque é Liberdade de sobrenome. É o sobrenome que define o nome. Maria nasceu Maria de Liberdade. Já não podia ser qualquer uma. Era ela. É ela.

Sempre entendeu o que é ser livre mesmo antes que a teoria lhe caísse sobre a cabeça como um raio. Maria de Liberdade só se fez mais forte. Outro raio, uma canção e um insight. “Livre para decidir”. Isso ela sempre foi. Mas acontece que Chronos deixa seus cavalos tão livres que de tanto os vermos correndo esquecemos, por muitas vezes, de apreciarmos esses momentos. Foi preciso que a canção que sempre ouvira lhe caísse como uma estrela cadente para que ela tomasse consciência de sua liberdade maior. O poder de decisão. Maria de Liberdade está decidindo. Maria de Liberdade está sendo livre. Maria de Liberdade está vivendo.

Maria que é Liberdade guarda toda a sua vida em um baú enorme – porque ela vive! Todos os dias, ela entra nesse baú e decide o que fica e o que sai. É um dos seus rituais diários. Assim como o seu banho noturno à luz de velas perfumadas. Da última vez que entrou nesse baú, Maria percebeu que ele estava cheio demais. Obsoleto até em alguns detalhes. Maria se perdeu. Maria que nunca se sentira presa sentiu-se em um labirinto naquele baú de caminhos outrora tão definidos. Nada de alarde. Um copo d’água precisa estar cheio para ser esvaziado. No caso do baú de Maria, abrir espaços indica novas tomadas de decisões. Isso ela sempre fez. E estava tomando novas decisões de acordo com o que lhe caia bem. “Você pode me ajudar. Eu decido.” – afirma Maria. Embora tenha esquecido, por um breve período de tempo, que uma decisão leva a outra Maria foi decidindo. Era assim que tinha que ser. Maria era ela. Mais uma vez, Maria de Liberdade reorganizava seu baú enquanto enchia sua vida de novas janelas.

Maria de Liberdade decidiu trocar de profissão. Lá se foram seus papeis e lápis coloridos. Ficou um caderno e novos dicionários. Maria de Liberdade ampliaria suas línguas e seria, agora, consultora para assuntos internacionais.

Maria de Liberdade decidiu que Você não mais vem. Está doando todas as suas roupas. Lá se foram sapatos, vestidos e "bodies". Ela sentirá saudades do que não verá. Mas Maria de Liberdade decidiu viajar o mundo. Já foi à Espanha buscar um chapéu. Quer ir à Inglaterra acertar o seu relógio. Na China, vai andar de bicicleta e na Austrália vai contar tubarões.

Maria de Liberdade decidiu Amar mais ainda. Lá se foram as últimas lágrimas pelo que a chatearam em seu amante. Maria de Liberdade já tinha escolhido viver em conto de fadas. Sabia que em todo conto de fadas há uma bruxa má. Mas como a bruxa demorou a aparecer, Maria de Liberdade esquecera aquele nariz enverrugado. Não sabia a bruxa que Maria de Liberdade tinha, também, a sua casa, seu furacão e boa pontaria para acertar a bruxa. O seu Amor é a luva de sua mão.

Maria de Liberdade, assim, decidiu viver plenamente. Entrou no baú, além de seus sonhos e amores renovados, um cd com aquela canção atemporal que a faz lembrar que ela é livre de verdade. Só é livre quem pode decidir. Maria pode. Maria decide. E decidiu renovar sua identidade. Maria de Liberdade, de hoje em diante, chamar-se-á MARIA DE LIBERDADE LIVRE PARA DECIDIR.


Para a escritora de nome PALMEIRA LETÍCIA. ;)


Image on DeviantArt
* The Cranberries in: Free to Decide


sexta-feira, 10 de julho de 2009

Clássico em preto e branco



"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousamos fazê-la, teremos ficado para sempre à margem de nós mesmos."
Fernando Pessoa



Ela não saiu
Fugiu
Vestido marcando
Ventre estufado
Ele não voltou
Ficou
Caminho em círculo
Levando ao mesmo lado
Ela toda bagagem
Ele álbum de retrato antigo
Esquecidos por si mesmos
Do lado de lá do que é
Um
E
Outro
Vida
E
Morte
Pedem travessia


Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro — o rio.”
Guimarães Rosa em: A Terceira Margem do Rio


Image by Robert Ford on:DeviantArt






sexta-feira, 3 de julho de 2009

O Passeio da Lua


“O valor e a qualidade de qualquer amor só podem ser determinados pelo próprio amante.” By Carson McCullers. - Encontrar essa citação naquele biscoito da sorte esquecido no armário fez mesmo a Sorte de Ágata. A jovem enamorada de Saulo vivia às turras com seus pais que não entendiam todo amor e devoção àquele rapaz que passou a frequentar a casa dos Rodrigues. Tudo se deu depois daquele Ano Novo comemorado na rua com os vizinhos, amigos e aquele desconhecido que apareceu como um beija-flor que vem em busca do perfume exalado pela flor. Era Saulo. Veio acompanhando um vizinho e melhor amigo de Ágata. “A nossa Sorte é velha matreira, sim! Nos guarda até que não possamos nos defender. É a morte para a vida” – refletiu, tempos depois, sobre aquele encontro. Mesmo sendo mais velho, Saulo mantinha o seu jeito e sorriso de moleque. Mais tarde, Ágata confessaria ter sido aquele sorriso o cheque-mate que a levou aos braços de seu primeiro Amor. Ninguém nunca a vira tão apaixonada e tão cheia de vida. Ainda, Ágata pertence a Saulo como a lua cheia pertence ao mar. De tudo que declarou não se permitir sentir ao se apaixonar não sobrara nada. Ágata ama Saulo com a mesma necessidade que tem o sangue correndo em suas veias. Foi com ele que ela conheceu a força gravitacional do Amor. Foi por ele que ela se tornou mulher. Foi em seu corpo que ela conheceu o vapor do sexo. Ágata era agora, também, Saulo. Já não era mais só. Difícil que seus pais aceitassem dividi-la com outro alguém. Inaceitável para alguns que um casal pudesse ser simplesmente feliz. Feliz de quem se quer junto. Tamanha era a especulação sobre o destino dos dois que Ágata duvidou de seu Amor por um instante. Seu maior pecado. Pensou em não ser merecedora do Amor que lhe devota Saulo. Mas de Amor não se pode fugir. Certeza um dia encontra quem Ama. O Amor de Saulo estava em sua Sorte. Liberdade por vontade. Batizada por aquelas palavras com cheiro de biscoito Ágata renovou seu espírito e saiu para encontrar o mar.



Image by Junest on DeviantArt.

sábado, 23 de maio de 2009

À procura de um poema

“Sei que é nos sonhos que os jardins existem, antes mesmo de existirem do lado de fora.”

Rubem Alves in: Jardins


Hoje eu sou mais Eu. Um Eu mais inteiro em busca da minha completude infinita. Chove desde ontem – por Deus comprei uma sombrinha, finalmente. Acordei cedo mas não fui trabalhar. A água inundou a cidade. A Senhora do Tempo havia avisado: “Chove durante todo o fim de semana”. Precipitações de todas as formas e cores: chuva orográfica, de convecção, frontal, ácida. A chuva é como uma faca de dois gumes. Ora, lava e leva tudo que encontra pelo caminho. Ora, lava e faz nascer. “Dia de chuva”, falava a minha avó, “é um bom dia para se preparar um jardim para nascer”. Claro! Na busca pela minha completude infinita, estão os jardins. Quero sempre jardins novos. Jardins maiores. Jardins floridos. Jardins de mim. Arregaço as mangas e corro para a terra. Semente acariciada e colocada no ventre de jardins. Chuva, agora, líquido amniótico que alimenta sonhos e sementes. Espero meu jardim crescer e florescer aqui fora. Embora ele já exista em meus sonhos... Margaridas, Rosas, Orquídeas cheias de Nove horas, Angélicas, Gardênias, Girassóis, Chuvas de prata em Copos de leite, Narcisos, Flores - de - lis, Hortênsias, Bonsais também, Marias - sem - vergonha, Tulipas de vinho doce, Flores tropicais, Magnólias, Crisântemos, Flor de princesa, Flor de botãozinho, Espadas de São Jorge para as lutas, Açucenas, Violetas, Jasmins, Flores de lótus, Dálias, Papoulas, Amores perfeitos, flores para homenagear aos que chegam e dar adeus aos que partem. Flores para mim! Flores para que eu veja sempre um poema aonde quer que eu olhe.