domingo, 26 de julho de 2009

Comsommé au vin

"I’ll live as I choose
Or I will not live at all."*






Maria de nome. Podia mesmo ser qualquer uma. Porque é Liberdade de sobrenome. É o sobrenome que define o nome. Maria nasceu Maria de Liberdade. Já não podia ser qualquer uma. Era ela. É ela.

Sempre entendeu o que é ser livre mesmo antes que a teoria lhe caísse sobre a cabeça como um raio. Maria de Liberdade só se fez mais forte. Outro raio, uma canção e um insight. “Livre para decidir”. Isso ela sempre foi. Mas acontece que Chronos deixa seus cavalos tão livres que de tanto os vermos correndo esquecemos, por muitas vezes, de apreciarmos esses momentos. Foi preciso que a canção que sempre ouvira lhe caísse como uma estrela cadente para que ela tomasse consciência de sua liberdade maior. O poder de decisão. Maria de Liberdade está decidindo. Maria de Liberdade está sendo livre. Maria de Liberdade está vivendo.

Maria que é Liberdade guarda toda a sua vida em um baú enorme – porque ela vive! Todos os dias, ela entra nesse baú e decide o que fica e o que sai. É um dos seus rituais diários. Assim como o seu banho noturno à luz de velas perfumadas. Da última vez que entrou nesse baú, Maria percebeu que ele estava cheio demais. Obsoleto até em alguns detalhes. Maria se perdeu. Maria que nunca se sentira presa sentiu-se em um labirinto naquele baú de caminhos outrora tão definidos. Nada de alarde. Um copo d’água precisa estar cheio para ser esvaziado. No caso do baú de Maria, abrir espaços indica novas tomadas de decisões. Isso ela sempre fez. E estava tomando novas decisões de acordo com o que lhe caia bem. “Você pode me ajudar. Eu decido.” – afirma Maria. Embora tenha esquecido, por um breve período de tempo, que uma decisão leva a outra Maria foi decidindo. Era assim que tinha que ser. Maria era ela. Mais uma vez, Maria de Liberdade reorganizava seu baú enquanto enchia sua vida de novas janelas.

Maria de Liberdade decidiu trocar de profissão. Lá se foram seus papeis e lápis coloridos. Ficou um caderno e novos dicionários. Maria de Liberdade ampliaria suas línguas e seria, agora, consultora para assuntos internacionais.

Maria de Liberdade decidiu que Você não mais vem. Está doando todas as suas roupas. Lá se foram sapatos, vestidos e "bodies". Ela sentirá saudades do que não verá. Mas Maria de Liberdade decidiu viajar o mundo. Já foi à Espanha buscar um chapéu. Quer ir à Inglaterra acertar o seu relógio. Na China, vai andar de bicicleta e na Austrália vai contar tubarões.

Maria de Liberdade decidiu Amar mais ainda. Lá se foram as últimas lágrimas pelo que a chatearam em seu amante. Maria de Liberdade já tinha escolhido viver em conto de fadas. Sabia que em todo conto de fadas há uma bruxa má. Mas como a bruxa demorou a aparecer, Maria de Liberdade esquecera aquele nariz enverrugado. Não sabia a bruxa que Maria de Liberdade tinha, também, a sua casa, seu furacão e boa pontaria para acertar a bruxa. O seu Amor é a luva de sua mão.

Maria de Liberdade, assim, decidiu viver plenamente. Entrou no baú, além de seus sonhos e amores renovados, um cd com aquela canção atemporal que a faz lembrar que ela é livre de verdade. Só é livre quem pode decidir. Maria pode. Maria decide. E decidiu renovar sua identidade. Maria de Liberdade, de hoje em diante, chamar-se-á MARIA DE LIBERDADE LIVRE PARA DECIDIR.


Para a escritora de nome PALMEIRA LETÍCIA. ;)


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* The Cranberries in: Free to Decide


sexta-feira, 10 de julho de 2009

Clássico em preto e branco



"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousamos fazê-la, teremos ficado para sempre à margem de nós mesmos."
Fernando Pessoa



Ela não saiu
Fugiu
Vestido marcando
Ventre estufado
Ele não voltou
Ficou
Caminho em círculo
Levando ao mesmo lado
Ela toda bagagem
Ele álbum de retrato antigo
Esquecidos por si mesmos
Do lado de lá do que é
Um
E
Outro
Vida
E
Morte
Pedem travessia


Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro — o rio.”
Guimarães Rosa em: A Terceira Margem do Rio


Image by Robert Ford on:DeviantArt






sexta-feira, 3 de julho de 2009

O Passeio da Lua


“O valor e a qualidade de qualquer amor só podem ser determinados pelo próprio amante.” By Carson McCullers. - Encontrar essa citação naquele biscoito da sorte esquecido no armário fez mesmo a Sorte de Ágata. A jovem enamorada de Saulo vivia às turras com seus pais que não entendiam todo amor e devoção àquele rapaz que passou a frequentar a casa dos Rodrigues. Tudo se deu depois daquele Ano Novo comemorado na rua com os vizinhos, amigos e aquele desconhecido que apareceu como um beija-flor que vem em busca do perfume exalado pela flor. Era Saulo. Veio acompanhando um vizinho e melhor amigo de Ágata. “A nossa Sorte é velha matreira, sim! Nos guarda até que não possamos nos defender. É a morte para a vida” – refletiu, tempos depois, sobre aquele encontro. Mesmo sendo mais velho, Saulo mantinha o seu jeito e sorriso de moleque. Mais tarde, Ágata confessaria ter sido aquele sorriso o cheque-mate que a levou aos braços de seu primeiro Amor. Ninguém nunca a vira tão apaixonada e tão cheia de vida. Ainda, Ágata pertence a Saulo como a lua cheia pertence ao mar. De tudo que declarou não se permitir sentir ao se apaixonar não sobrara nada. Ágata ama Saulo com a mesma necessidade que tem o sangue correndo em suas veias. Foi com ele que ela conheceu a força gravitacional do Amor. Foi por ele que ela se tornou mulher. Foi em seu corpo que ela conheceu o vapor do sexo. Ágata era agora, também, Saulo. Já não era mais só. Difícil que seus pais aceitassem dividi-la com outro alguém. Inaceitável para alguns que um casal pudesse ser simplesmente feliz. Feliz de quem se quer junto. Tamanha era a especulação sobre o destino dos dois que Ágata duvidou de seu Amor por um instante. Seu maior pecado. Pensou em não ser merecedora do Amor que lhe devota Saulo. Mas de Amor não se pode fugir. Certeza um dia encontra quem Ama. O Amor de Saulo estava em sua Sorte. Liberdade por vontade. Batizada por aquelas palavras com cheiro de biscoito Ágata renovou seu espírito e saiu para encontrar o mar.



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