segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Antenas e idéias Co.

On. A velha senhora ligou. Havia mais de ano que não conversávamos. Começou dizendo que ligara para desejar, a mim e a minha família, votos de um Feliz Natal. Em seguida, falante, como sempre, abriu-se como um baú velho e começou a revolver questões familiares e a contar-me sobre os problemas que a circundavam naquele momento. Algumas pessoas não gostam dessa velha senhora. Reclamam que ela fala demais e que se intromete na vida dos outros. Reconheço que a tal velha senhora tem seus defeitos. Quem não os tem? Há quem diga que havendo defeitos, há qualidades também. A velha senhora tem suas qualidades. Uma delas? Ela fala a verdade. Ela fala o que você já sabe, mas, não quer admitir. Muito menos, quer que outra pessoa lhe jogue isso na cara. Essa é a deixa para que entre a fala: “Vixe! Atenda você. Diga que eu não estou.” Não pude dizer que eu não estava. Não reconheci o número do telefone. Atendi. Naquele dia eu estava de bom humor. Atendi ao telefone mesmo não reconhecendo o número de quem me ligava. Estava chegando o Natal. Conversar horas com aquela velha senhora, talvez, fosse a resposta para a pergunta: Então é natal... E o que você fez? * Ao menos posso dizer que dei ouvidos a uma velha senhora. Não vou negar que guardo uma mágoa com relação a ela. No entanto, eu continuo gostando dela. Ela é como eu. Melhor, eu sou como ela. Falo muito. Digo logo o que vou pensando. Adivinho o futuro. Eu estava atrasada no dia da bendita ligação, porém, dei corda à velha senhora. Ouvi coisas que já sabia e outras que ainda não sabia. Falei também. Embora, eu tenha guardado o assunto da mágoa a qual me referi anteriormente. Não era o momento. Ainda falo o que penso. Entretanto, aprendi e aceitei que existe um tempo para tudo. Aquele não era o tempo daquela mágoa vir à tona. Ouvi mais que falei – outra coisa que aprendi. Fiz minha boa ação, atrasei-me para meu compromisso. Em compensação (ou descompensação), sai daquela conversa gostando mais daquela velha senhora. Espalhei algumas coisas que ela havia me contado (isso faz parte de qualquer conversa). Outras, eu guardei. Uma, eu matutei. Disse-me ela que pediu ao filho, no tempo em que ele fazia seu Doutorado em Física, na Inglaterra, que inventasse uma antena para gente. Repetiu: “– Meu filho, invente uma antena para gente. Tem gente que nasce sem antena. Se você inventar uma antena para gente, você vai ganhar o premio Nobel em Física.” Eu ri bastante. Concordei com aquela velha senhora. Conheço um monte de desantenados. Hoje, ela está desatualizada em sua ideia. O negócio, agora, é chip. Inclusive, já estão criando chips para serem implantados em humanos. Na época, a velha senhora estava à frente do seu tempo. Seu filho é que não lhe dera ouvidos. Mesmo desatualizada, o que vale é a ideia. Um montante grande de pessoas não capta o que está a sua volta. Por isso, vive dando de cara na parede. Fato que não me incomoda mais tanto quanto antes. Cada um que cuide de si. Eu só fiquei imaginando como seria bom se a gente pudesse ligar e desligar uma pessoa quando a gente bem entendesse. Já pensou nisso? Off




 A todos, ainda há tempo para um FELIZ NATAL! :))

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* Trecho de "Então é natal", versão da cantora Simone para "Happy Christmas (War is over)", de John Lennon. 

sábado, 19 de novembro de 2011

2.

Gato preto em cima do telhado
Olhou e disse menino gordo:
“Rai cai”.











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quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Antúrios

Pertenço à constelação de Antúrios. Nasci do amor desesperado e descomedido de meu pai e de minha mãe. Recusei-me a carregar a culpa pelo Pecado Original e pelo pecado que deu origem a mim. Meu pecado originou-se quando passei a perceber a tua presença. Todos os dias, mesmo local, ponteiros de relógios sincronizados. Coisa de Deus, de Amor ou do Destino? Foi como tinha de ser. Coisa sua e minha. Tive minha estrutura de castelo medieval totalmente abalada. Tanto tempo sem sentir o coração disparar e as mãos lavadas com suor frio. Não hesitei. Do suor líquido ao suor em vapor. Não me importava mais me entrelaçar em dejetos de nitrogênio ou do que quer que fosse. De santa, rebaixei-me a mulher adúltera por completo. Nessa vida é melhor viver em pecado que em santidade. A santidade cansa. É tudo muito justo para as minhas formas disformes. O pecado é saboroso. É duplo. É perverso. É razão sem balança. É minha liberdade em novelo que corre solto. E, você, é o diabo revestido de anjo. Acontece que a fantasia não lhe caiu tão bem, meu bem. Anjo de olhar cortante, porte atleta e língua solta, não são fabricados. Isso é coisa do diabo. Pois que seja. Meu calendário só me mostra o dia de hoje. O meu momento é agora. Clichê, mas, cheio. Cheio de mim e de você e de tudo que nos condena em segundos de uma vida inteira.

 

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quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Ao espelho


Seria aquela que era
Mulher de verdade

Tivesse eu
Nascido Amélia.

Tivesse nascido Hélia
Temeria ao meu deus.

Tivesse nascido Camélia
Meus pecados perdoariam

Tivesse nascido Ofélia
Ao rio me entregaria.

Entretanto, nasci Zélia
Vivo à revelia.


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quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Pintura d'Alma

Não sei se sou
Garoa ou tempestade
Riso ou choro
Tempero ou destempero
Nem sei se sou ou estou
E quem dera todas as borboletas
Em meu quintal fossem azuis





Recomendo: 
Fernando Pessoa in: Cancioneiro (Nota Preliminar)

1 - Em todo o momento de atividade mental acontece em nós um duplo fenômeno de percepção: ao mesmo tempo em que temos consciência dum estado de alma, temos diante de nós, impressionando-nos os sentidos que estão virados para o exterior, uma paisagem qualquer. Entendendo por paisagem, para conveniência de frases, tudo o que forma o mundo exterior num determinado momento da nossa percepção. 
____________________

2 - Todo o estado de alma é uma passagem. Isto é, todo o estado de alma é não só representável por uma paisagem, mas verdadeiramente uma paisagem. Há em nós um espaço interior onde a matéria da nossa vida física se agita. Assim uma tristeza é um lago morto dentro de nós, uma alegria um dia de sol no nosso espírito. E - mesmo que se não queira admitir que todo o estado de alma é uma paisagem - pode ao menos admitir-se que todo o estado de alma se pode representar por uma paisagem. Se eu disser "Há sol nos meus pensamentos", ninguém compreenderá que os meus pensamentos são tristes.      
_____________________
3 - Assim, tendo nós, ao mesmo tempo, consciência do exterior e do nosso espírito, e sendo o nosso espírito uma paisagem, tempos ao mesmo tempo consciência de duas paisagens. Ora, essas paisagens fundem-se, interpenetram-se, de modo que o nosso estado de alma, seja ele qual for, sofre um pouco da paisagem que estamos vendo - num dia de sol uma alma triste não pode estar tão triste como num dia de chuva - e, também, a paisagem exterior sofre do nosso estado de alma - é de todos os tempos dizer-se, sobretudo em verso, coisas como que "na ausência da amada o sol não brilha", e outras coisas assim. De maneira que a arte que queira representar bem a realidade terá de a dar através duma representação simultânea da paisagem interior e da paisagem exterior. Resulta que terá de tentar dar uma intersecção de duas paisagens. Tem de ser duas paisagens, mas pode ser - não se querendo admitir que um estado de alma é uma paisagem - que se queira simplesmente interseccionar um estado de alma (puro e simples sentimento) com a paisagem exterior. [...] 


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terça-feira, 27 de setembro de 2011

Elouquecencia

You don’t write because you want to say something, 
You write because you have something to say. 
Francis Scott Fitzgerald

 Você não escreve porque quer dizer algo, 
Você escreve porque tem algo a dizer. 
(Minha tradução)

 
 



Há quem não creia
Em minha retórica
De versos longos

Ensolarados 
Floridos 
Coloridos
Polidos 
Sonidos
Cândidos 
Descomedidos
Envaidecidos 
Sacramentados 


Em nada me afeta
Tua descrença
Minha voz permanecerá
LI BER TA
Enquanto Amor
Em mim
HA BI TA


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sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Mouse in the house



Moro em uma casa que não me pertence. Roupas, sapatos, poeira, traças e teias de aranha tomam conta de tudo. Entro e saio e o amontoado de coisas continua lá. Crescendo. Assim como se tivesse vida. Tem um ditado que diz – tem ditado para tudo nesse mundo. A sabedoria popular deveria ser mais sábia, então. – “Quando o gato sai, os ratos fazem a festa”. Olho o relógio toda vez que entro em casa. Não sei, ao certo, se para saber quanto tempo eu gastei fora ou se para saber quanto tempo me resta em casa até o dia seguinte. 22h44min de uma noite de um dia qualquer. Não me importo muito com os dias. Eles me parecem todos iguais. Volto para casa do trabalho. Extremamente cansada, meu maior desejo se resume a um banho, um copo de leite e cama. Como se estivesse participando de uma maratona, ultrapasso os obstáculos que me impedem de alcançar meu desejo. Em meio ao trajeto, ouço música e risos. Olho para um lado, nada. Olho para o outro, nada. Quando bem em minha frente, um rato me estende um tapete vermelho. Ele havia me preparado uma festa em agradecimento ao primeiro aniversário de minha hospitalidade para com ele. Sem muito que dizer, larguei o peso que trazia em meus ombros e cai na farra.


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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Flores de maracujá


Não é curta a vida. Curto é o nosso viver. Curto é o nosso olhar. O calendário perde seus dias e não enxergamos o que eles trazem e levam de volta. Neste ir e vir de dias que passam despercebidos, não percebemos a nós mesmos. É como se nos perdêssemos, também, por entre esses dias. Em um dia qualquer, sem querer, observei umas ramas de maracujá se arrastando pelo muro de meu quintal, oriundos da casa de uma vizinha que não me dá, sequer, bom dia. Minha reação foi instantânea. Não quero estas ramas invadindo o meu quintal. Embora o aroma da fruta me agrade, não suporto seu sabor. Mas, ignorei as tais ramas, ainda tímidas. Como insisto em voar diante da vida que me chega, os dias continuaram a fugir até que eu parasse, outra vez, em meu quintal. As, não mais tímidas, ramas de maracujá denunciavam minha ausência naquele lugar; denunciavam o que acontecia em minha casa; denunciavam minha cegueira frente a coisas simples; denunciavam minha abstenção diante da vida. O muro de meu quintal estava todo tomado por ramas de maracujá em um estado de vitalidade que não me pertencia. Flores e flores e flores de maracujá enfeitavam o meu quintal. Estática, eu observava as flores que virariam frutos. Retrocedi alguns passos, apanhei outras flores que haviam ficado em meu caminho. Senti o perfume de cada uma delas e resolvi não mais me apartar delas. Hoje, carrego um cesto cheio de flores de todos os tipos e cores.

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quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Ceia Santa

Se quiseres conhecer alguém verdadeiramente, 
Procuras saber dela por ela mesma. 
Não por outras bocas.


Véspera de feriado ainda não é feriado. Pessoas trabalham enquanto outras já se divertem. Sentada à mesa em um barzinho famoso em bairro nobre de minha cidade, bebo uma taça de espumante atrás da outra. Espumante é bebida de mulherzinha. Não fosse pela minha altura, diria que sou mulherzinha. Porém, de salto alto, 1m e 80cm me deixam mais para mulherão que mulherzinha. Continuo bebendo espumante? Continuo. Não bebo para ficar mais alegre, não bebo para esquecer problemas. Muito menos, bebo para ter coragem. Bebo água porque meu corpo pede. Bebo suco para refrescar. Bebo refrigerante porque pensar em meus ossos mais fracos ainda não é suficiente para me fazer parar de bebê-lo. Bebo espumante porque tem gosto bom. Quatro ou cinco taças e eu o abandono. Caso contrário, dormiria à mesa em lugar público. E eu uso lugares públicos para outros fins. A intenção ali era me divertir um pouco. Aliviar a tensão dos últimos dias. No entanto, eu só conseguia pensar que não trabalharia a semana inteira enquanto todo o mundo trabalharia. Pensava que na véspera do feriado ainda havia gente trabalhando. Bobagem minha. Véspera não é dia. Só quando é tempo de Copa do Mundo que o Brasil para de trabalhar antes da hora. Ando tão boba ultimamente. Tão boba que nem consigo prestar atenção na conversa de meus amigos. Não é difícil acompanhá-los. Ora eu faço um gesto positivo com a cabeça, ora faço um gesto negativo. De vez em quando, um sorriso. Tudo resolvido. Meu pensamento voa longe e se fixa no outro lado da rua. Três crianças entre dez e sete anos. Conheço essas crianças. Estão sempre por aqui. Mas o que fazem a essa hora da noite, véspera de feriado, ainda por aqui? Eles trabalham guiando uma carrocinha puxada por um burrinho ainda criança, assim como os meninos. Juntos, eles passam o dia carregando papelão, garrafas plásticas, coisas que possam ser recicladas. Nunca vi um adulto com eles. Não desgrudo meu olhar um só segundo. Àquela altura, já nem sei mais se devia gesticular com um sim ou um não. Meu pensamento era mais de reprovação. É tarde, meninos. É véspera de feriado. Eu e minha bobagem. Até parece que estou falando de véspera de Natal. Tomara que na véspera do Natal eles, a essa hora, estejam esperando pelo Papai Noel. Não. Não é véspera de Natal. É véspera de 7 de setembro. Que, também, é uma grande data! Eles não deviam estar esperando pelo D. Pedro II? Uma parada. O mais velho dos meninos desce da carroça. Vai até uma senhora vendendo churrasquinho na esquina. Ele pede, humildemente, por um espetinho. A senhora o atende prontamente. Ele volta com um espetinho brilhando por refletir a luz no olhar daqueles que o aguardavam. Eu observava. Todo espetinho tem quatro pedacinhos de carne ou de frango. Eles são três meninos. Hora do jantar. O menino mais velho, parecendo imitar Jesus, reparte o pão. Se dirigindo aos outros meninos fala: “Um para você, outro para você, um para mim e outro para o burro”. Cai da cadeira mas, o meu estrondo, não foi suficiente para despertar a atenção de quem me rodeava. Levantei e me juntei aos meninos e ao burro para saciar minha alma e meu espírito. 
 



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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Causos de um capítulo só



Chegou o pacote. O pacote chegou no dia do meu aniversário. Eu não pedi, mas, é verdade que não fiz nada para impedir que ele chegasse. Na verdade, eu fiz coisas para que ele chegasse mesmo eu não o desejando. Mais parece um presente de grego. Não veio no tamanho certo, na minha cor preferida, nem tem a minha cara. Não quero! Preciso despachá-lo. É isso que se faz com o que não queremos. Vou colocá-lo dentro desta mochila. A embalagem em que ele chegou está danificada. O cordão também não pode ser mais usado. Junto o resto que sobrou dela, o cordão e este lençol que não me serve mais. Sujou quando o pacote chegou. Deixa ver... Ah! Coloco dentro da mochila velha e é só arrumar alguém para me ajudar a despachar o pacote. Já sei. Elias não me negará ajuda. Vamos, Elias, pega o pacote e faz o despacho. Elias segue prontamente. Em plena cidade desperta, Elias, atira o pacote, em uma encruzilhada, com o carro ainda em movimento. Elias segue, porém, espera pelo desfecho que pretendia. O carro de trás, passa por cima do despacho. Pronto. Tudo resolvido. Despacho desfeito, coração não mais insistia em bater.

A vizinha de Matilda, sempre disse que o filho de sua companheira de conversa de fim de tarde, era um amorzinho. Era ele quem tomava conta da mãe de Matilda de cem anos de idade. A velhinha é dura na queda. Anda, come e faz suas necessidades sozinha. Mesmo assim, ele estava sempre ao lado da avó, dando-lhe não apenas assistência para o que ela precisava, mas, carinho, amor e atenção. Quando o menino completou onze anos de idade, Matilda, finalmente, lhe deu o que ele tanto pedia: um aparelho celular. Daqueles baratinhos. Caro, nem pensar! Dar presente caro para o filho era coisa que Matilda nunca fez. Não porque lhe faltava dinheiro. Matilda dizia que já gastava muito com comida e roupa para o menino. O menino estava feliz com seu celular mesmo não tendo ninguém para ligar. O Natal se aproximava. Quem sabe o Papai Noel não receberia sua ligação? Matilda, como toda boa mãe, já havia comprado a roupa que o filho usaria naquela noite em que nasce outro menino: o Jesus. Os vizinhos sempre se juntam na noite de Natal, dividem o que tem e fazem aquela festa. O calendário foi perdendo os dias. Faltavam, apenas, três dias para o Natal. O filho de Matilda, percebendo que seu celular estava sem bateria, foi carregá-lo. Ao colocar o bichinho na tomada, o menino levou um choque tão grande que fez parar o seu coração. Mamãe Matilda, não derramou muitas lágrimas no enterro do filho. Saiu do cemitério assim que o caixão desceu pelo túmulo. Disse ter muitas coisas a resolver no dia seguinte. De verdade, tinha. Assim que o comércio abriu suas lojas, Matilda estava lá. Foi trocar a roupa que havia comprado para o filho vestir no Natal por um vestido bem florido e fogoso. Era véspera de Natal e Matilda resolveu deixar a festa na vizinhança pela seresta no bar do seu Tião. Só lhe resta mais uma providencia a tomar. Matilda, agora, procura um asilo para colocar sua mãe. 

Atriz americana de boca carnuda declara em rede mundial: “Só as mães sabem o que é amor de verdade. A gestação e o parto nos fazem conhecer esse amor verdadeiro”. Será que ela esqueceu que seus filhos mais velhos são adotados? Será que ela faz diferença entre os filhos negros e os de olhos azuis? Isso ela não explicou. Ela, também, não comentou sobre o que é amor de pai. Ela não disse que cortou relação com o seu pai por causa de um caso amoroso que ele tivera com uma fulana quando ainda era casado com a sua mãe. Bom que ela não fala sobre as declarações de seu pai dizendo só saber dos netos pela mídia. Bom que ela não fala sobre o fato dela ignorar o pedido de um avô para conhecer os netos. Melhor, ainda, que ela não fala sobre o envolvimento dela com um homem casado. 

Enquanto isso, eu fico a conversar com meu botão. O único que sobrou na camisa que visto. Ele, pelo menos, concorda comigo. Esse conceito de mãe tem que ser revisto. Há mães e mães matando e ignorando as crianças que geraram. Você deve me dizer que não posso generalizar. Não generalizo. Mas, nesse caso, são casos e casos. Não falo de qualquer mãe. Falo de um conceito. Gerar e dar á luz a uma criança não é suficiente para que alguém seja chamado de mãe. Portanto, não se pode dizer que quem passou por essa experiência seja dono da verdade do amor. Infelizmente. Porque se isso não é suficiente, o que mais será? 


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sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Melopéia do amor tecido







A morte sendo
Amor tecido se desfia
Amortece coração que batia







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sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Orquídeas, bichos e o nós.



 Ela, falante. Braços abertos para carregar o que é seu e, também, o que não é. Não foi sempre assim. Aprendeu que, quanto mais os braços ela esticava, mais coisas ali cabiam. Anda pendendo de um lado a outro de tanta coisa que carrega. Sorriso constante nos lábios, ele se apaixonou por ela. Ela sorriu e o carregou. Coube direitinho em seus braços abarrotados. Ela viu o que outros não viam. Juntaram-se e ele aprendeu a esticar os braços e a carregar coisas. 

Ele, cantante. Voz berrante a clamar contra paradigmas. De berro em berro, a construção de um ser em outros seres. Foi sempre assim. Porte viril e camisa amarela, ela já estava apaixonada por ele. Ele dobrou o joelho e a segurou pela mão. Presos ficaram. Juntos já estavam e ela aprendeu a deixar algumas coisas pelo caminho. 

Orquídeas, coloridas. Enfeitam, pelo lado de fora, as janelas da casa onde moram. Fortes de caras frágeis. São como eles. Precisam ser cultivadas. Têm vida longa. Dão gosto aromatizado as bocas e saciam fome de quem sabe comer - Os   excessos escapam a qualquer humano. Apenas se diferenciam pelos órkhis que apresentam. Insetos só polinizam flores. 

Bichos, soltos. Alegram a casa de dia e de noite. São como as orquídeas. Precisam ser cuidados. A vida, para eles, não é tão longa. Abraço apressado de aconchego que afaga a alma. Sacia vontade. Estima e ação. Combinação perfeita em um mundo que se constrói. O tempo é sempre novo de novo quando o amor é cachoeira. Água que lava, alimenta e faz viver. 

 Image by JuncoChick on DeviantArt.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Cadina

A velha Cadina era um cadinho tudo
Era um cadinho doce que nem jabuticaba madura
Era um cadinho amarga que nem melaço de cana de açúcar

A velha Cadina era um cadinho tudo
Era um cadinho cheiro de fumo de rolo
Era um cadinho gosto de coco queimado

A velha Cadina era um cadinho tudo
Era um cadinho folclore de livro de escola
Era um cadinho mãe de todos os filhos que nunca tivera

A velha Cadina era um cadinho tudo
Era um cadinho rio, era um cadinho cerrado
Era um cadinho festa, era um cadinho espanto

A velha Cadina era um cadinho tudo
Era a figura que povoou sonhos
De minha infância fugida



Image by Hop31355 On DeviantArt

sexta-feira, 29 de julho de 2011

O homem que morreu sorrindo

Menelau Pereira de Não Me Lembro ao Certo, mais conhecido como Seu Mené, fôra encontrado morto debruçado sobre uma calçada na Rua da Areia. Buchicho do dia. Seu Mené sempre rendera conversa. Um criticava daqui, outro dali, fulano dizia sentir pena dele, enquanto sicrano se deliciava com a desgraça alheia. Seu Mené era feirante bem sucedido. Fôra um dos pioneiros do Mercado Central. Vendia de tudo em sua barraca. De verduras a frutas, de carnes a queijo. Gente de todos os lados vinha comprar com ele por causa da qualidade de seus produtos. Seu Mené era muito exigente, me confessou a sua mulher, que já não exercia mais esse papel há tempos. Seu Mené só não foi exigente com ele mesmo. Do gole de pinga antes do almoço, Seu Mené foi passando para a garrafa, depois garrafas e mais garrafas de pinga. Seu Mené já não devia ter mais nada por dentro. Assim como não tinha por fora. Perdeu seu comércio, perdeu seus fregueses, perdeu a família, perdeu sua dignidade, perdeu seu amor próprio, perdeu sua saúde, perdeu seus amigos que se diziam verdadeiros. Sobraram-lhe apenas as barracas onde ele continuava bebendo e alguns companheiros a lhe fazer companhia apenas para não beberem sozinhos. Bêbado tem isso. Não gosta de beber sozinho. Parece saber que a bebida se não é boa companhia para quem está junto, imagine para quem está só. Lembro que Seu Mené chegou, por várias vezes, a fazer pequenos serviços para Seu Zezé em troca de alguns goles de pinga. Seu Zezé era o único que ainda lhe aguentava. Talvez, não se deva mesmo espantar fregueses. Eu também não fiz nada por Seu Mené a não ser sentir pena e rezar por ele. Minha pena não o levou a lugar algum. A minha reza, tenho certeza que contribuiu para a paz de sua alma. Outra coisa que fiz por Seu Mené foi ficar pensando em como não se fazia nada para ajudar aquele homem. A mulher havia desistido dele, os filhos lhe viravam a cara, para o resto da família ele não existia e os amigos, aqueles antigos, nem sequer bom dia lhe davam. Eles diziam já terem feito de tudo e que Seu Mené bebia porque era safado mesmo. Não tinha vergonha na cara. Mas eu sempre me perguntava se aquilo que eles haviam feito foi o certo. Quando alguém falha com o outro é porque não foi assertivo. Falharam com Seu Mené. O que me intriga ao acordar com a notícia da morte de Seu Mené é que ele morrera sorrindo. Vi o sorriso em seu rosto. Mais buchicho. “O veio era safado mesmo. Rindo de sua própria desgraça”. Fico a pensar... Seu Mené sempre me fez pensar muito. Não acredito que ele esteja rindo de sua própria desgraça. Seu Mené chorava por dentro o tempo todo. Não acredito que ele esteja rindo porque viveu como quis e bem entendeu. Seu Mené sempre quis outra vida. Não a que tivera antes. Certas coisas quando vão, não voltam. Seu Mené sonhava com uma vida em que ele pudesse ir e vir sem ter que carregar o corpo com álcool. Estava nos olhos dele. Para mim, Seu Mené sorriu quando viu o Anjo que veio lhe buscar. Deus não se esquece de nenhum de seus filhos. Era chegada a hora de Seu Mené. E toda morte é grande. Há sempre uma mãe que chora a morte do filho bandido morto, uma criança que chora a morte de seu cãozinho, o pai que chora a overdose da filha e eu que não conhecia, de fato, o Seu Mené, mas que velo sua morte. Talvez, eu mesma não tenha sido assertiva com ele. Além de pensar nele e rezar por sua alma, deveria era ter estendido a mão ao Seu Mené, lhe tirado os sapatos e lavado seus pés com fez Jesus com seus discípulos. Não pensem que almejo ser igual a Jesus. E não quero ser santa. Nem ao menos quis ser freira como sonhou para mim a minha avó. Apenas penso que podemos fazer sempre mais pelos outros. Porque é isso que esperamos que façam conosco. Esperamos sempre mais.


















Image by Blutack On DeviantArt

domingo, 24 de julho de 2011

Desperdício



À um certo Poeta


Perdi-me em águas de tempos
Esquecidos em minha memória
Vivo enrolado em narrativas que
Fazem de mim caçador de almas

Alimento-me delas para seguir
Para destino algum se já me perdi
E há tempos não sei quem sou
Ou para onde devo ir

Repito-me em ações que não
Me deixam enxergar meu eu,
Cavaleiro Templário desfigurado
Sem armadura de fé ou de ferro

Encontro-me apenas em quarto crescente
Quando minh’alma de poeta transborda
E faço de mim maior poeta de todos os tempos
Enquanto o lápis deslizar pelo papel

Image by Littlewing77 on DeviantArt

domingo, 3 de julho de 2011

Daydreaming



 Manhã de trevas, melhor substituir por manhã de Travis. Enquanto eu interpreto Amélia, que era mulher de verdade, eles cantam e eu vejo minha vida passar em filme. Será que não existem mais mulheres de verdade? Serei eu a última? Agrada-me o vestir avental? Ou serei louca mesmo por bancar a heroína e ultrapassar meus limites? Não sei. Não sei. Por que tantos mistérios entre céu e terra que fazem da minha filosofia mais barata que uma caixa de fósforos?  Quem sabe o Travis possa me ajudar a elaborar minha filosofia de fogão. Eu acredito em um Deus que não tira os olhos de mim. Eu que escapo d’Ele, vez por outra. Mesmo assim, o carro novo do meu vizinho não me desperta inveja. Sei ser paciente. Paciente de doutor inglês. Como todos, só quero viver em harmonia com o mundo, com aqueles que me cercam e com aqueles a quem eu cerco. Sairemos daqui todos para o mesmo lugar. Não há saída alternativa em um círculo.  Eles seguem, eu sigo. Uma música, outra música. Uma tarefa, outra tarefa. Chove lá fora – Espera! Isso é outra canção... E eu não sei se essa nuvem me acompanha porque menti aos 17. Ainda minto. Vai ver, por isso, ela não me larga. No problem! Adoro sombrinhas. Tenho tantas quantos pares de sapatos ou batons, meus acessórios preferidos. Dependendo da estação, uma amarela, que o Quintana não me ouça; uma cheia de corações vermelhos; uma quadriculada de azul; uma toda colorida e uma cor de rosa, para os meus dias de patricinha. Há, tem ainda uma preta para os dias de luto ou de mal humor. Humor rima com amor que rima com dor que rima com calor que rima com torpor. Mas que, também, rima com sonhador que rima com cor que rima com sabor que rima com flor. O segredo é, antes de fazer qualquer coisa por amor, se perguntar se é isso que te cabe e não ao outro. Sem esquecer que toda flor na janela carrega toda a essência da Poesia. 

Image by Lord Kevinz on DeviantArt. 

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Desnuda diante de ti

À Juljan Palmeira.
 

(...) 

Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa,
Abranda as rochas rígidas, torna água
Todo o fogo telúrico profundo
E reduz, sem que, entanto, a desintegre,
À condição de uma planície alegre,
A aspereza orográfica do mundo!

Provo desta maneira ao mundo odiento
Pelas grandes razões do sentimento,
Sem os métodos da abstrusa ciência fria
E os trovões gritadores da dialética,
Que a mais alta expressão da dor estética
Consiste essencialmente na alegria. 

 (...)

Augusto dos Anjos in: Monólogo de uma sombra

Rendo-me, meu amor,
à tua sabedoria odienta
por encontrar resposta
para todos os mistérios
de meu coração.
Juro jamais voltar
a chamar o nome
de teu Poeta em vão.
Em minha condição de sombra,
dialogo com outras sombras
e fazemos um brinde
à alegria contida em toda arte.  

Image by Jeremiahketnet on Deviantart

quarta-feira, 8 de junho de 2011

A revelia

Trabalhando Letícia Palmeira.

O contexto fugiu
Deixando a casa sem teto,
As palavras sem lugar,
As pessoas sem oração
E descrentes de quem
Acreditar.


 

Image by Jensheron on DeviantArt

sábado, 4 de junho de 2011

Ergométrica


As marcas do tempo se misturam com as do sol no rosto queimado de Ergométrica. Outro dia a mais em seu calendário interminável, ela acorda às cinco da manhã. Milho para as galinhas e café para os filhos que ainda estão em casa. As crianças, a caminho da escola, hora de correr para o tanque. É preciso lavar as roupas das madames. Enquanto as roupas quaram, Ergométrica corre para a cozinha. Quando os meninos chegam da escola, estão morrendo de fome, ainda. Roupas no varal, tem casa para varrer, banheiro para lavar, cozinha para arrumar. Depois de forrar o bucho dos meninos com feijão e farinha, Ergométrica começa a preparar os salgados para vender em frente à escola aonde os meninos estudam. Ela sai de casa às duas e meia e volta por volta das quatro da tarde. Os meninos não a ajudam e continuam morrendo de fome. Vez de pôr o jantar. Salgados que sobraram e café. Esta noite, Ergométrica tem pressa. Vai à missa de sétimo dia de seu filho mais velho. Atiraram nele lá perto da maré. Fôra confundido com Josa, avião que virara incansável consumidor de peda.

- “Menino tão bom, meu filho. Pai de família. Homem trabalhador.”

O filho mais velho de Ergométrica cortava e vendia lenha para fogueiras de São João. A lenha está toda lá, cortadinha e empilhadinha. O filho mais velho de Ergométrica também trabalhava com cavalos. Eles estão todos lá no terreno vizinho a casa em que morava. Assim como com a lenha, não se sabe o que será feito deles. Nem dos filhotinhos de sua cadela de estimação. Ainda tem as galinhas que ele criava como a sua mãe. O que a Sorte reserva para eles, é desconhecido. Ergométrica quer vender a casa em que vive com os outros filhos. Ela quer se mudar para longe da maré. Seu coração já não aguenta tanta dor. O marido já se fôra, agora o filho mais velho. Ergométrica parece perdida no tempo e parece não mais reconhecer sua função no mundo. Não suporta a idéia de não mais ver o marido e o filho. Foi à missa de sétimo dia porque é de praxe. Conforte-se com ele em seu coração, disse-lhe. 

- “Acontece que não vou vê-lo mais nesta vida, minha filha. E quem me garante que ele estará lá nessa tal outra vida?"

Emudecida, apenas fitei, de Ergométrica, o rosto queimado onde as marcas do tempo se misturam com as do sol.


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