sábado, 19 de novembro de 2011

2.

Gato preto em cima do telhado
Olhou e disse menino gordo:
“Rai cai”.











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quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Antúrios

Pertenço à constelação de Antúrios. Nasci do amor desesperado e descomedido de meu pai e de minha mãe. Recusei-me a carregar a culpa pelo Pecado Original e pelo pecado que deu origem a mim. Meu pecado originou-se quando passei a perceber a tua presença. Todos os dias, mesmo local, ponteiros de relógios sincronizados. Coisa de Deus, de Amor ou do Destino? Foi como tinha de ser. Coisa sua e minha. Tive minha estrutura de castelo medieval totalmente abalada. Tanto tempo sem sentir o coração disparar e as mãos lavadas com suor frio. Não hesitei. Do suor líquido ao suor em vapor. Não me importava mais me entrelaçar em dejetos de nitrogênio ou do que quer que fosse. De santa, rebaixei-me a mulher adúltera por completo. Nessa vida é melhor viver em pecado que em santidade. A santidade cansa. É tudo muito justo para as minhas formas disformes. O pecado é saboroso. É duplo. É perverso. É razão sem balança. É minha liberdade em novelo que corre solto. E, você, é o diabo revestido de anjo. Acontece que a fantasia não lhe caiu tão bem, meu bem. Anjo de olhar cortante, porte atleta e língua solta, não são fabricados. Isso é coisa do diabo. Pois que seja. Meu calendário só me mostra o dia de hoje. O meu momento é agora. Clichê, mas, cheio. Cheio de mim e de você e de tudo que nos condena em segundos de uma vida inteira.

 

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quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Ao espelho


Seria aquela que era
Mulher de verdade

Tivesse eu
Nascido Amélia.

Tivesse nascido Hélia
Temeria ao meu deus.

Tivesse nascido Camélia
Meus pecados perdoariam

Tivesse nascido Ofélia
Ao rio me entregaria.

Entretanto, nasci Zélia
Vivo à revelia.


 Image by Frecklefaced29 on DeviantArt

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Pintura d'Alma

Não sei se sou
Garoa ou tempestade
Riso ou choro
Tempero ou destempero
Nem sei se sou ou estou
E quem dera todas as borboletas
Em meu quintal fossem azuis





Recomendo: 
Fernando Pessoa in: Cancioneiro (Nota Preliminar)

1 - Em todo o momento de atividade mental acontece em nós um duplo fenômeno de percepção: ao mesmo tempo em que temos consciência dum estado de alma, temos diante de nós, impressionando-nos os sentidos que estão virados para o exterior, uma paisagem qualquer. Entendendo por paisagem, para conveniência de frases, tudo o que forma o mundo exterior num determinado momento da nossa percepção. 
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2 - Todo o estado de alma é uma passagem. Isto é, todo o estado de alma é não só representável por uma paisagem, mas verdadeiramente uma paisagem. Há em nós um espaço interior onde a matéria da nossa vida física se agita. Assim uma tristeza é um lago morto dentro de nós, uma alegria um dia de sol no nosso espírito. E - mesmo que se não queira admitir que todo o estado de alma é uma paisagem - pode ao menos admitir-se que todo o estado de alma se pode representar por uma paisagem. Se eu disser "Há sol nos meus pensamentos", ninguém compreenderá que os meus pensamentos são tristes.      
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3 - Assim, tendo nós, ao mesmo tempo, consciência do exterior e do nosso espírito, e sendo o nosso espírito uma paisagem, tempos ao mesmo tempo consciência de duas paisagens. Ora, essas paisagens fundem-se, interpenetram-se, de modo que o nosso estado de alma, seja ele qual for, sofre um pouco da paisagem que estamos vendo - num dia de sol uma alma triste não pode estar tão triste como num dia de chuva - e, também, a paisagem exterior sofre do nosso estado de alma - é de todos os tempos dizer-se, sobretudo em verso, coisas como que "na ausência da amada o sol não brilha", e outras coisas assim. De maneira que a arte que queira representar bem a realidade terá de a dar através duma representação simultânea da paisagem interior e da paisagem exterior. Resulta que terá de tentar dar uma intersecção de duas paisagens. Tem de ser duas paisagens, mas pode ser - não se querendo admitir que um estado de alma é uma paisagem - que se queira simplesmente interseccionar um estado de alma (puro e simples sentimento) com a paisagem exterior. [...] 


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