sábado, 19 de janeiro de 2008

Introdução

Minh’alma resolveu acordar mais cedo hoje. Justo hoje que pretendia nem ver a lua sair. Pensava em pegar o segundo sol. Inquieta, acordou-me também. Não suportava mais aquele sentimento sombrio e frio nem a dor de quem chora o adeus a um ente querido que me acompanhavam desde já nem lembro mais. Tirou-me para uma conversa. Sentamos, ela e eu, à beira de um riacho translúcido, cheio de peixinhos engraçados. Pareciam feitos de algodão e terem os olhinhos de jujuba. O riacho, os peixes e mais umas flores de colorido intenso, serviram de vista para o cenário no qual nos encontrávamos. Duas pedras menores nos serviam de banquinhos e outra maior ficava ao centro. Não comemos nada mas havia, em uma bandeja, duas xícaras e um bule com um tipo de chá ou elixir. Não era feito de ambrosia, supus. Sou um simples mortal. Ela, Minh’alma, disse tratar-se de um licor especial. A primeira pergunta que ela me fez foi a de quem havia me ensinado a representar todo aquele sofrimento. Não soube a resposta. Como criança em fase de desenvolvimento, apenas imitava, e somava, o que via ao meu redor. Sem noção e sem a medida exata, acabara por exagerar no meu dramático monólogo. Depois, ela quis saber sobre meus cegos olhos que não me permitiam ver tudo que me cabia. “A vida não se resume a um ato.” Completou antes que eu pudesse responder o que não sabia. E, na intenção de me aproximar de minha realidade romântica, incluiu: “Muito menos a uma estrofe. A vida está mais para uma epopéia inacabada.” Talvez, eu me faça tantas perguntas que me pe(r)co nas respostas. Realidade. A palavra que ficou em meu pensamento. Sei que na intenção de transformá-la, não vivo à minha. Vivo em fantasia. É difícil representar o tempo todo. Por isso, os sonhos. Sei que alguns devem permanecer secretos, guardados, dando vida ao nosso imaginário. Mas seria errado transformar fantasia em realidade? “Não.” Respondeu Minh’alma. Eu falava alto, como em meu monólogo habitual e nem percebera. “Dentro de você está a resposta. A questão está em dar vida ao que sonhamos – guardemos apenas o necessário para alimentar a imaginação. Do contrário, nossos sonhos se perderão no vento. Viveremos, então, em busca do que não se pode alcançar. Não é justo renegar o que temos em favor do que poderíamos ou do que pensamos que poderíamos ter. Do que está a nossa volta, tiremos a porção que nos cabe. Busquemos o que falta e usemos o nosso poder de discernimento para entender o que não nos cabe mais, o que nunca coube e o que jamais caberá.” Não sei o que sempre me faltou para entender o óbvio: o mundo não está contra mim. Eu é que estou contra ele. Quem sabe o tal licor me abrira os olhos finalmente? “Aquele licor especial é o licor que dá vida. E ninguém precisa do sobrenatural para alcançá-lo. Basta colhe-lo nas flores, no beijo sincero, no abraço amigo, na palavra escrita, no canto de liberdade.” Eu sabia estar diferente à partir dali. Minh’alma me deixara sem mais nada dizer. De volta ao meu quarto, sentado na cama, via um mundo diferente pela janela. Não o que passava em câmera lenta mas o que contava os segundos, encurtando a vida. Para mim, que (re)nascera, menos tempo tinha para realizar meus feitos em cada canto da epopéia que começara a narrar...


Zélia






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