sexta-feira, 7 de março de 2008

Olhos fechados e passos curtos para o que está atrás da porta

Mais dois passos ela descobriria o que a salvaria daquele afogamento no mar de lamúria que cobria seu quarto. Mas ela não movimentava mais suas pernas. Não saía mais do lugar em que se enfiara depois que ele desocupou as prateleiras da sua estante, esvaziou as gavetas de seu guarda-roupa e levou os objetos que espalhara pela sua casa. No armário do banheiro, deixou apenas a escova de dente que usava. Ela já estava velha mesmo e precisava ser trocada. Ou seria um sinal que um dia ele voltaria? Esperou... Esperou tanto que não conseguia mais sair do lugar em que se encostou naquele dia. Já faz tanto tempo que o calendário perdeu sentido. Mesmo assim, resolvia sempre ficar e esperar. “-Não sozinha!”, disse ela ao besouro que chegara a sua janela. E completou confiante: “-Nunca se está realmente só: tem os outros em nós, a música que toca, a letra que forma, o pássaro que voa, a lembrança que povoa, o filme que passa, o desconhecido que acena na esquina, o sol que nasce, a lua que brilha, a estrela que cai e você que vai chegar.” Esquecera apenas que o tempo corre em toda espera. Geleiras derretiam e a água cobria tudo sempre mais e mais. Ela ficou e se foi. Esvaeceu-se no que um dia acreditou ser o perdão para todos os seus pecados...


Zélia














Photo by Dollsey