segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Respondendo a lição de casa

Minha companheira-espelho e eu, passamos horas a conversar sobre questões literárias – além de outras coisinhas mais,é claro.Vasculhamos certas teorias, recriamos algumas mas também criamos as nossas próprias teorias.Afinal,o mundo é nosso.Fazemos uso do que bem entendermos...

Clarice, a Lispector, chegou em nossa conversa e com ela, a questão da autobiografia na literatura.Ser autobiográfico está longe de ser um pecado,na minha teoria.Embora, para isso, eu me agarre a Bakhtin, e em sua Estética da Criação Verbal,por concordar com ele que a autobiografia é uma maneira que eu,enquanto criador verbal,encontro para “objetivar artisticamente a minha vida”,pág.139.Ainda segundo Bakhtin, o “eu-para-si” é elemento constitutivo da forma.Os valores biográficos são valores comuns na vida e na arte, são “valores da estética da vida” e o “autor da biografia é aquele outro possível”,pág.140,em cada um.Chegamos a Lacan, então, mas acredito ser melhor seguir em frente.

Pois bem,em Obsessão,Clarice chega com o seu outro artisticamente objetivado e não há como deixar de considerar que ela escreveu o referido conto em seus 20 ou 21 anos.Transportando para ele suas inquietações de jovem mulher apaixonada.A pergunta que fazemos então é:Quem é Cristina? – personagem central em Obsessão.Trata-se de uma mulher apaixonada que,como ainda era comum na época em que foi escrito o conto,1940-41, assume uma postura de submissão ao ser amado:um homem de nome Daniel.É fato que um surto de loucura atinge a mulher ao descobrir-se apaixonada,mesmo que “por quase um segundo” (Herbert Vianna),e nesse primeiro momento ela passa a ver o outro como necessário a sua existência.Assim como o ar, talvez.Mas, ás vezes, o ar também intoxica.O “quase um segundo” de Cristina dura bem mais que um segundo e ela vai ocupar uma posição de inferioridade a Daniel até que ela acorda em um despertar para a vida,para a liberdade – no sentido de Foucault aqui.O sentido que diz que é livre aquele que cuida de si.Cristina percebe que o seu amado é quem precisa dela.Não ela dele.Talvez, ela tenha passado a ser “essencial” a ele justamente por ter deixado de tê-lo como algo essencial para ela.Que venha o despertar de Cristina e o de toda mulher que ainda tem o objeto de seu amor não como uma peça de quebra-cabeça que se encaixa a ela mas como algo que não lhe pode faltar.

É através de Cristina que Clarice vem dar seu grito as mulheres e a qualquer um que encontre no amor a sua escravidão.Letícia bem falou: "o virar de páginas e a continuidade da história” faz-se necessário sempre.Aprender a “deixar de sentir” é mais necessário que aprender a sentir, que é instintivo.A deixar de sentir temos que aprender.Devemos ser mágicos ao avesso e “desencantar” assim como um personagem que sai de cena ao final do espetáculo.Sempre chega uma hora em que precisamos trocar o cenário,rodar mais um filme e encenarmos outro papel.Sem esquecermos deste ensinamento da grande mulher e escritora que é Clarice Lispector,o de deixarmos expostas ao sol,as roupas antigas com cheiro de mofo...

Zélia